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​Meditação bíblica, para o domingo, 14 de julho 2013

O evangelho lido nas comunidades católicas e anglicanas nesse domingo é a parábola chamada do bom samaritano (Lucas 10). Transcrevo aqui sobre esse texto do evangelho o que escrevi no meu livro "Boas notícias para todo mundo" (Conversa com o evangelho de Lucas): 

Só Lucas conta essa história posta na boca de Jesus. E a conta no contexto de um diálogo de Jesus com um jurista. Entretanto, o contexto é do contraste que existe entre, de um lado, os sábios e entendidos que não acolhem o evangelho e do outro, os pequeninos e ignorantes que o acolhem (Lc 10, 21- 24). “Nesse contexto, é bom perceber que a parábola do samaritano se situa no meio dessa reflexão sobre a missão e a oposição entre grandes e pequenos. O sacerdote e escriba são vistos como grandes que ao não socorrerem o ferido não vivem o projeto divino, enquanto o samaritano que, em nenhum momento da parábola é chamado de bom – realiza o projeto divino e é próximo do homem ferido”[1].

A pergunta do doutor da lei sobre como herdar tem uma ressonância em toda a Bíblia. A herança de Deus é a terra. Jesus mesmo já tinha retomado o salmo 37 e dito nas bem-aventuranças: “Os pequenos receberão a terra como herança”. Aqui, o jurista quer saber como “herdar a vida eterna”. Troca a terra pela plenitude da vida. Hoje, a pergunta do professor de Bíblia equivaleria a alguém que pergunte: “Qual o sentido da vida? Como posso dar à minha vida de homem ou de mulher um sentido que a torne feliz?”. E Jesus responde com algo muito prático e profundo. Do mesmo modo que o Deuteronômio diz que para possuir a terra, o povo tem de cumprir a lei, isto é, viver a aliança com Deus, Jesus dá a mesma resposta. Ou melhor, induz o seu interlocutor a lembrar isso: “O que está escrito na lei. Como você lê?”. E o homem, então, recita a oração do Shemá Israel que quem é judeu recita ao menos uma vez por dia. “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração...” é o primeiro verso da oração inspirada em Dt 6, 5 e unida a Lv 19, 18 que liga o amor ao próximo ao amor divino.

Apesar de que Jesus tenha aprovado a resposta do escriba, esse se sente meio repreendido e tenta uma escapatória na casuística judaica: quem é meu próximo? Ou até que ponto, eu sou obrigado a esse amor? Jesus o põe diante de um fato. Alguém (homem ou mulher) foi ferido e está caído na estrada. Como Jerusalém fica a 750 metros de altitude e Jericó a 350 m. abaixo do nível do mar, a descida é muito abrupta, cheia de despenhadeiros e  era um caminho meio deserto. Aconteciam muitos assaltos. Conforme C. Donnel, o homem assaltado pode ter sido do grupo dos essênios. Por isso, o sacerdote e o levita não aceitaram parar para socorrê-lo. Eram grupos inimigos[2]. Jesus inverteu a pergunta do professor de Bíblia. Não respondeu: quem é meu próximo. Perguntou: quem foi o próximo da pessoa ferida. O problema não é saber quem é meu próximo e sim saber: de quem eu sou próximo. Gustavo Gutierrez dizia: “A questão é que o próximo não é a pessoa que entra na minha estrada, mas a pessoa em cuja estrada eu me encontro”. É uma reviravolta na perspectiva. E não se trata apenas de uma esmola ou uma ajuda feita de longe. O texto diz que o samaritano teve suas entranhas revolvidas de compaixão para com o ferido. O verbo grego usado para “se compadeceu” é splanklinizein e pode ser traduzido assim: as entranhas se moveram dentro dele. É algo sentido e sofrido. O problema social e político atual é que não se trata mais de um ser humano ferido, mas de mais de um bilhão de seres humanos que estão na linha da pobreza extrema por causa do tipo de organização social que os poderosos dão a este mundo e que rouba e expolia os que são empobrecidos. Então, neste contexto, a prática da solidariedade incondicional tem de tomar a expressão de uma luta coletiva para mudar essas estruturas injustas do mundo. Podemos dizer que essa prática da solidariedade incondicional seja a quem for, tanto no nível da pessoa carente, como das comunidades era uma característica do Cristianismo primitivo. Ser cristão é ser solidário. A vocação da Igreja é ser uma Igreja samaritana, no sentido dessa parábola. Samaritana com as pessoas e também com os povos oprimidos.

 Em 1968, na 2ª Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín, o documento sobre Juventude afirma: “Que se apresente cada vez mais nítido, na América Latina, o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida na libertação de todo o ser humano e de toda a humanidade” (Medellin. 5, 15 a).

[1] - Cf. CARLOS MESTERS e GILVANDER MOREIRA, O Bom samaritano: ontem e hoje, São Leopoldo, CEBI, 2012, p. 16.

[2] - C. DONNEL, Les esseniens et l´arrière-fond de la parabole du Bon-Samaritain, N T 11, (1969), pp. 71- 104, citado por R. FABRIS, Evangelho de Lucas, in Os Evangelhos II, São Paulo, Loyola, 1992, p. 126.

[3] - citado por F. BOVON, obra citada, p. 92.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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