Reparto com vocês o que sobre o evangelho lido nas comunidades nesse domingo, escrevi no meu livro: Conversa com Lucas:
- O caso de um juiz injusto (Lc 18, 1- 8).
Aqui temos mais uma comparação incrível. Jesus já tinha usado como parábolas de nossa relação com Deus ou da vinda de Deus a nós certas imagens como um assalto noturno e inesperado em uma casa, um gerente desonesto. Agora, compara a relação com Deus com essa história do juiz injusto e da pobre viúva. Deixa claro que se até um juiz injusto, mesmo que seja apenas para não ser mais importunado, acaba atendendo ao grito por justiça, quanto mais Deus. Jesus insiste que Deus que tem preferência pelos que sofrem, atende quem o invoca dia e noite.
A história da viúva nos faz retomar a época do evangelho e tempos até mais recentes nos quais não havia previdência social e as viúvas precisavam de um juiz para lhes garantir justiça. É possível que, nesse caso, tenha ocorrido que o marido tenha, ao morrer, deixado dívidas e o credor queria tomar o pouco que ela possuía para pagar as dívidas do falecido. Comparar Deus com o juiz é inadequado, mas a comparação é como uma oposição. Não quer dizer que, se até o juiz injusto faz justiça, ao ser importunado, nós deveríamos importunar a Deus para ser atendidos. Não é isso. Deus não precisa que nós o recordemos que ele deve ser bom e misericordioso, ou que eu contamos com ele para nos proteger. Ele, por si mesmo, está interessado no nosso bem e na nossa salvação (salvação como plenitude de vida), até mais do que nós mesmos. Além disso, não devemos crer que a oração tenha esse poder mágico de “converter” Deus a nós.
A comparação de Deus como juiz protetor das viúvas e dos órfãos vem da tradição bíblica (por exemplo, Dt 10, 17- 18, Salmo 68; Eclo 35, 12- 18 e outros textos). Também faz parte de certa tradição bíblica a pergunta por que Deus parece calado ou ausente diante do sofrimento do pobre e não intervém logo. Todo o livro de Jó se pergunta sobre onde está Deus quando uma pessoa inocente e justa sofre injustiças e opressões. Há vários textos que se queixam desse silêncio ou da aparente ausência de Deus O salmo 44 termina dizendo: “Acorda, Deus e vem nos salvar! (Ver Sl 44, 23- 25; 89, 47; Ab 1, 2- 4).
Para as comunidades antigas, esse tipo de interpelação sobre o silêncio de Deus ou por que ele não intervém na história se concretiza na questão da vinda do Messias. Por isso, o evangelho põe essas questões no contexto em que Jesus fala da vinda do Filho do Homem.
Segundo o que recordamos das palavras de Jesus, Deus parece tardar em nos escutar ou em intervir para nos salvar, não porque não esteja preocupado conosco, mas porque respeita as causas históricas, lida bem com a autonomia das pessoas e dá um tempo para a nossa conversão. Não podemos ser imediatistas. Por isso, Jesus conclui sua parábola perguntando: Será que, quando chegar, o Filho do Homem ainda encontrará fé sobre a terra?
“O universo e tudo o que nele existe é bom por natureza. Todo bem existe agora. Quando oramos, jamais mudamos Deus ou a criação de Deus. Mudamos somente nossa própria consciência para que conheçamos o bem em vez do mal” (John Davis).
[1] - JOHN DAVIS, O Mundo é Bom, in Sophia, (Revista da Sociedade Teosófica Brasileira), no 7, n, 25, p. 24.