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Meditação bíblica, para o domingo 21 de setembro 2014

Desde ontem, estou assessorando o encontro das pastorais sociais da diocese de Campina Grande. Algumas pessoas conhecidas. Grupo interessado e interessante. O tema principal foi o estudo da exortação apostólica Evangelii Gaudium do papa Francisco e como as comunidades locais e pastorais sociais podem participar desse processo de renovação que o papa está provocando.

Amanhã, 25° domingo comum do ano, o evangelho lido será Mateus 20, 1 - 16: – A parábola do “patrão diferente” 

Considero essa parábola das mais difíceis de ser explicadas de todo o evangelho. Acho que a maioria dos padres e pastores vão comparar Deus com o patrão que sai pelas ruas e praças a contratar operários diaristas para a sua fazenda. E nem percebem que considerar Deus como um fazendeiro capitalista não é a melhor imagem de Deus que eles podem dar. De fato, não é fácil compreender que Jesus tomava os fatos ou histórias que se contavam em sua época para aproveitar e falar do programa divino no mundo, ou como se chama no evangelho: o reino de Deus. 

É possível que, inicialmente  essa parábola de Jesus serviu para clarear a posição que a comunidade de Mateus e certamente, desde o início Jesus, tomaram com relação aos não judeus. Na Bíblia, “a vinha” é uma imagem clássica do povo de Deus e da obra que Deus faz conosco – Cf. Is 5 e Salmo 80). Nessa história, os “operários que trabalharam o dia inteiro na lavoura” significam o povo judeu. Os trabalhadores da última hora são os não judeus, pagãos (goims).

Para nós que vivemos num país no qual ainda é normal o trabalho diário dos assalariados volantes (boias-frias), parece familiar o fato de Jesus (ou vocês) descrever a realidade social da Judéia como sendo de desemprego e de trabalhos por contrato diário. Conhecemos ainda hoje essa realidade de pessoas sem emprego, aceitando qualquer oferta que lhe façam. Diferente é esse patrão que age completamente fora das leis sociais vigentes em qualquer sociedade.  A maioria dos comentadores chamam essa história de “parábola dos trabalhadores da vinha”. O nome mais indicado seria “Parábola do patrão original ou diferente”. A parábola é sobre o comportamento dele. Todo o problema para os primeiros contratados é que ele, além de começar a pagar pelos últimos, os iguala aos primeiros que suportaram o peso e o calor do dia. A parábola é sobre “os direitos” iguais que todos têm diante do convite de Deus e da recompensa que ele promete.

O que os judeus retratados na parábola não aceitam é que “ele os equiparou a nós”. No tempo de Mateus, o Talmud já dizia: “um pagão que retorna ao Senhor é maior do que o sumo-sacerdote do santuário”[1]. O judaísmo oficial aceitava com tranqüilidade que os pagãos podem ser salvos e que Deus oferece a todos os bens da aliança. Isso, os rabinos aceitavam sem problemas. Mas, não podiam compreender uma igualdade de condições entre Israel e os pagãos. Já vimos que mesmo Jesus (no episódio da cura da filha da mulher sírio-fenícia) e Paulo na carta aos romanos dizem claramente: “primeiramente os judeus e depois os outros”. Aqui, Jesus dá um passo adiante e diz que Deus começa pelos últimos e dá a estes o mesmo que dá aos primeiros. Os rabinos diziam que “quando Deus promulgou a Torá ofereceu-a a todas as nações e somente Israel aceitou. Por isso, cada israelita tem tanta importância para Deus quanto têm todos os outros povos do mundo. Todos os dias, o judeu piedoso deve agradecer a Deus por não ter nascido ‘goim’. Só Israel foi capaz de observar a lei”[2].  

Na própria tradição bíblica, os profetas já insistiam na universalidade do amor de Deus e na igualdade de todos perante o Senhor. O profeta Amós chega a dizer: “Por acaso, não sois vós para mim, filhos de Israel, iguais aos filhos dos etíopes?, diz o Senhor. Acaso, não fiz eu subir a Israel da terra do Egito, do mesmo modo como fiz os filisteus virem de Caftor e os sírios de Quir?” (Am 9, 7).

Hoje, numa sociedade marcada pela desigualdade social, essa parábola não deixa de nos lembrar que Deus propõe igualdade. O fato é que, mesmo no plano social, se não se aceita partir dos últimos e dar a eles tanto quanto aos que são considerados “primeiros”, nunca haverá justiça. Ele rejeita a lógica do mérito (os que trabalharam mais mereceriam mais) e insiste na lógica do amor gratuito.

Nesses dias de campanha eleitoral, não sei quantos brasileiros aceitam escolher seus candidatos a partir do interesse dos últimos da sociedade e privilegiar os que têm efetivamente compromisso com os oprimidos. 


[1] - CHOURAQUI, idem, p. 253.

[2] - Cf. J. BONSIRVEN, Le Judaisme palestinien, Paris, 1935, p. 91. Citado por SPINETOLI, idem, p. 544- 545.

[3] - DOMINIQUE DE LA MAISONNEUVE, Paraboles Rabbiniques, in Cahiers Évangile, Supplement Décembre 1984, p. 23.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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