Sobre o evangelho desse domingo, reparto com vocês o que escrevi no livro: Conversa com o evangelho de Lucas:
- O fariseu e o publicano (Lc 18, 9- 14)
Como método para mostrar a atitude correta diante de Deus, o texto apresenta duas atitudes extremas. Isso foi mostrado assim na parábola do pai misericordioso e os seus dois filhos (15, 12 ss) e também na do rico e de Lázaro (16, 19- 31).
Agora, os dois protagonistas são:
1) um homem religioso e observante do grupo dos fariseus e
2) um publicano, ou seja, um colaborador dos romanos e que vivia transgredindo os preceitos da lei, além de ser considerado meio desonesto.
Na época das comunidades dos evangelhos, os fariseus eram os chefes das sinagogas e eram considerados o que seu nome indica: separado dos outros e santo.
Conforme conta o evangelho, o fariseu ora de acordo com a tradição judaica: a oração de bênçãos e de agradecimento a Deus, a beraka. A oração dele pode ser encontrada em salmos como o Sl 17, 3- 4; 18, 21- 25 e 26, 3- 12). No tratado das bênçãos do Talmud tem orações bem semelhantes a essa do fariseu. São belas e profundas. A pessoa ora de pé e de cabeça levantada. É o sinal da aliança. Tem com Deus uma intimidade que o faz relacionar-se assim com a divindade. Será que mesmo algumas orações de Jesus, descritas nos evangelhos, como a de ação de graças depois da volta dos discípulos em missão, não foram neste modelo? (Lc 10, 21- 14). De acordo com o evangelho de João, a chamada oração “sacerdotal” de Jesus (Jo 17) também parece deste estilo.
Isso significa que não é o estilo ou o conteúdo da oração do fariseu que acarreta problema. É o seu espírito. A atitude interior que está por trás. O fariseu não está mentindo. Ele é mesmo diferente dos outros homens e tem toda razão de dizer que é fiel e justo. É como o filho mais velho da parábola dos dois filhos em Lc 15.
O publicano é um cobrador de impostos odiado pelos judeus por sua colaboração com o sistema romano e pecador por se relacionar com pagãos e por extorquir dinheiro dos pobres. Este não ousa entrar no templo. Ora de cabeça baixa, batendo no peito e dizendo somente: “Tem piedade de mim que sou pecador” (invocação que inicia o salmo 51). Como o reino de Deus vem de graça e de preferência para os que precisam de perdão, o fariseu justificava-se a si mesmo e por isso não foi justificado por Deus (não precisava dele), enquanto o publicano saiu de sua oração perdoado e justificado.
Hoje, a gente não gosta dessa oração que tem como finalidade a justificação, que essa venha de si mesmo ou mesmo que venha de Deus. É um vocabulário que contém sempre certo interesse ou falta de gratuidade na relação. Além disso, muitas vezes, a religião, qualquer que ela seja, desenvolveu uma atitude de culpa e de pecado que não ajuda as pessoas a exercitarem a auto-estima e a consciência de sua dignidade. Penso que hoje devemos procurar uma espiritualidade que não procure nem se exaltar no sentido de auto-pretensão ilusória e nem também a humilhação que não corresponde à verdade. Quem acompanha pessoas psicologicamente sabe como é importante ajudar as pessoas a se estimarem e se valorizarem adequadamente e não se sentirem pecadoras e más.
Seria perigoso e negativo interpretar a parábola por este lado. Não é a sua finalidade. O seu objetivo é justamente realçar a igualdade de todos diante de Deus e sua graça em perdoar e querer bem a todos. A linguagem da justificação é como uma parábola. Quanto à questão da exaltação e da humildade, talvez a religião seja, na história da humanidade a virtude que mais tem gerado uma espécie de consciência de superioridade em relação aos outros. Por isso, a espiritualidade evangélica propõe como caminho a humildade. Não a humilhação. A humildade vem do termo húmus e significa a pessoa ter os pés na terra, assumir sua verdade, não querer ser o que não é. Assumir sua realidade de criatura frágil e carente. Exatamente para crescer e viver a alegria de amar e ser amado.