Esse domingo, quarto da Quaresma, é o domingo que antigamente se chamava Laetare por causa do cântico de entrada que começava com essas palavras do salmo 122: "Alegrei-me com o que me foi dito: vamos à casa do Senhor". E isso marcava a alegria dos catecúmenos que tinham sido aprovados para ser batizados na noite da Páscoa. Dava-se nesse domingo o 2o escrutínio e os ritos da unção catecumenal. Por isso, o evangelho é João 9 que conta como Jesus curou o cego de nascença. E a palavra do cego curado foi: "Ele me ungiu os olhos, mandou-me lavar na piscina de Siloé (quer dizer enviado). Eu fui, lavei e fiquei curado. Agora estou vendo!". É a palavra que todo cristão deveria poder dizer a partir da experiência do batismo.
São tantas as emoções que sinto ao reler essa palavra do quarto evangelho. Jesus tinha subido a Jerusalém para a festa das Tendas que celebra (até hoje no Judaísmo) a memória do tempo nômade do deserto e a caminhada de libertação. No segundo dia da festa, naquela época do templo, fazia-se o rito da água e do fogo. Jesus vai ao templo, mas diz aos discípulos: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba". Ele é a fonte de água viva. E diz também: Eu sou a luz do mundo. E depois que afirmou ser a luz do mundo, o evangelho diz que "passando, ele viu um cego de nascença". Os discípulos começaram a discutir quem pecou se foi ele ou seus pais para ele nascer cego. Jesus nega que o sofrimento seja conseqüência do pecado. E os deixa discutindo. Toma a iniciativa de ir até junto do cego, passa saliva em seus olhos e diz: Vá e se lave na piscina de Siloé. O cego foi, lavou-se e ficou vendo.
Os discípulos discutem. Jesus vê. Do mesmo modo como Deus olha o sofrimento das pessoas. Discípulos e fariseus discutem sobre pecado, culpa, lei e tudo o mais. Jesus simplesmente olha, vai até a pessoa e a cura. Jesus vê porque tem sempre um olhar de compaixão e solidariedade para quem sofre. Quando não olhamos o outro com esse sentimento de solidariedade compassiva, não vemos. Passamos perto, discutimos teorias e debatemos teses, mas não olhamos as pessoas concretas.
Ao ficarem discutindo "quem pecou", ou se o sofrimento é castigo de Deus, fariseus e discípulos ficaram em uma religião que fecha os olhos das pessoas e as impede de ver o outro. Ficam presas nos dogmas e nas leis. Jesus passou e fez o cego passar de uma fé que deixa nossos olhos fechados a uma fé que abre os olhos. Pouco importa se foi no sábado que ele curou, pouco importa quem pecou ou não pecou, o importante era curar o cego e foi o que Jesus fez. O cego o vê, primeiramente como "um homem chamado Jesus". Depois ele da um passo a mais na fé e diz: "Vejo que ele é um profeta de Deus", até que foi expulso da sinagoga e encontra Jesus. Esse lhe pergunta: Crês no Filho do Homem? E o cego pergunta: Quem é esse para eu poder crer nele? Jesus responde: Sou eu que estou falando com você. Então, diz o evangelho, o cego se prostra diante de Jesus e diz: Então, se é você, eu creio, Senhor.
Sempre me pergunto se a minha fé é assim, fruto de uma experiência concreta e se tem avançado de etapa em etapa, de luz em luz. E aí me comprometo de novo com a fé que abre os olhos e não com a religião que até hoje ajuda as pessoas a manterem os olhos fechados.