Hoje, comecei esse dia - vigília da festa de Pentecostes - com um diálogo aberto com um grupo de padres e leigos da região de Veneza. Conversamos sobre um mundo de questões, desde o Fórum Social Mundial, a crise ecológica, a situação da Igreja e a liturgia.
Depois, tive a graça divina de almoçar com três sofredores da rua. Como dizem aqui na Itália: barboni, isso é, vagabundos de estrada. Eram três italianos que perderam emprego e perdendo emprego, acabaram perdendo família e perdendo tudo. Hoje vivem um dia em um abrigo da cidade, amanhã, em outro e uma vez ou outra em alguma casa abandonada ou banco de rodoviária ou estação de trem. O pároco daqui (Dom Nandino) os acolhe sempre e os recebe como irmãos. Dois se chamam Stéfano e têm cada um seus 50 anos. Sandro é mais novo e deve ter mais de 40. Esse último é mais falador. Conversava em dialeto vêneto que eu não conheço e compreendia uma ou outra coisa. Compreendia que ele dizia: Tenho uma dignidade e quero que me respeitem como pessoa. Eu me senti almoçando com Jesus e quase não falei a não ser para dizer que almoçar com eles era um presente divino para mim e que, há muito tempo, não provava uma refeição tão gostosa (preparada por dois deles na paróquia).
Agora estou a caminho de Vicenza onde participo à noite do Festival Bíblico Nacional onde devo falar (mais de 250 pessoas) sobre "A terra e os céus estão cheios da tua glória".
Não sei o que direi ou o que Deus vai me inspirar. Sei que é bom fazer essa meditação na noite de Pentecostes. Na vigília, o Ofício Divino das Comunidades propõe o refrão tirado do livro da Sabedoria e que Reginaldo Veloso adaptou e canta: "O Espírito do Senhor, o universo todo encheu. Tudo abarca em seu saber. Tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia...".
Pessoalmente, lamento ter podido aproveitar, saborear pouco esse tempo pascal que se encerra nesse domingo. Sinto-me como se tivesse podido gozar de um alimento maravilhoso e tivesse tido pouco tempo para sorver essa maravilha. No entanto, optei por viver na diáspora (dispersão do mundo) e aí fazer o que?
Aprendi com os irmãos e irmãs do Candomblé a contemplar a presença divina na terra, na água, no ar, no fogo, nas árvores e em todo o universo. Aprendi a ver em todas as coisas o halo da presença divina. E isso me faz tratar os seres vivos de um modo distinto... novo. Ou ao menos saber que devo agir assim...
Agradeço a Deus ser dessa comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus a qual ele vem, hoje, no meio de nós, mostra suas chagas e nos diz: Paz para vocês. As chagas dele se revelam em mim e nos meus irmãos - na luta da vida. O Ressuscitado que se manifesta a nós tem chagas abertas. Não é um super herói forte e sempre vitorioso. É ferido de nossas feridas humanas e tem a cara de nossos grupos e comunidades, frágeis e com seus problemas.
E diz o evangelho de João (Jo 20, 19- 23): ele sopra sobre nós, nos dá a energia divina do amor: "Recebei o Espírito Santo" e nos confirma no serviço de nos perdoar uns aos outros em seu nome.
Nesses dias, agradeço a Deus ter podido receber um telefonema de um irmão com o qual me sentia separado - sem eu querer - mas que havia rompido por mim - e ele tomou a iniciativa de reconciliar-se comigo. E eu deveria ter feito isso, mas acabei não fazendo por pensar que ele não queria ou não se interessaria por isso. E sofria porque Deus me chamou para viver a unidade, custe o que custe... Assim, ressuscitei quando ouvi sua voz e pude lhe confirmar que já o havia perdoado e que também, de minha parte, pedia o seu perdão por qualquer coisa em que lhe houvesse ofendido. E assim, celebramos a Páscoa de Jesus de uma forma nova. Agora é Pentecostes. Assim podemos viver a missão. Uma missão de ser testemunhas do amor divino no mundo.
Hoje, em El Salvador, a Igreja declarará beato a Dom Oscar Romero. É também um gesto de reconciliação porque até poucos anos (até chegar o papa Francisco), o Vaticano não podia ouvir o seu nome... E durante todos esses 35 anos, o seu processo de canonização estava parado. Agora, mesmo com todas as ambiguidades que esse tipo de processo tem, (penso que mistificar a pessoa ou fazer dele um herói sempre acaba por afastá-lo de nós e não o aproxima mais do povo), mas mesmo com essas questões, se a sua mensagem profética passa a ser mais lembrada, graças a Deus. Será um novo Pentecostes na Igreja e no mundo.