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Meditação bíblica, quarta feira, 06 de junho 2012

Queridos irmãos e irmãs, 

Amanhã as comunidades católicas celebram a festa do Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi). É mais uma festa dogmática criada na Idade Média para combater heresias contra a presença real de Jesus na eucaristia. Quando eu era menino, em Camaragibe, esse dia era marcado pela procissão do Santíssimo. Lembro-me como se fosse hoje da cidade toda enfeitada, altares de madeira levantados em três pontos diversos da Vila da Fábrica. Crianças vestidas de anjos, banda de música, o padre passando com o ostensório dourado e os homens e mulheres que nas esquinas viam a procissão passar se ajoelhando ou fazendo o sinal da cruz diante da hóstia consagrada. Isso tudo hoje me parece de um outro tempo, uma era de cristandade em que toda cidade era obrigada a ser católica e a Igreja tomava conta de tudo, das ruas e das pessoas. Também sinto isso como um tipo de culto de massa (procissão) que não é meu jeito atual de viver a fé - na discrição e na inserção da vida social e política. Entretanto, quem não precisa do seu lado romântico e sentimento? É uma lembrança que me comove positivamente até hoje. 

Ligado à festa de hoje, lembro-me também de outro acontecimento, bem mais recente, mas hoje também já antigo. Deve ter sido em 1965 ou 66, na Concatedral (São Pedro dos Clérigos). Uma missa com o novo arcebispo Dom Hélder Câmara. Eu estava lá junto com outros jovens monges do mosteiro de Olinda. Depois eu soube que na sacristia, o arcebispo foi surpreendido comovido, quase chorando. Ao perguntarem por que (penso que foi Marcelo Carvalheira, na época padre que fez a pergunta), ele respondeu: Estou triste porque vou sair em procissão com a hóstia consagrada nesse ostensório de ouro e todos que encontrarem vão adorar. Mas, ao mesmo tempo que reconhecem essa presença de Jesus no sacramento eucarístico, desconhecem que cada mendigo na rua, cada criança em situação de risco, cada sofredor que jaz à margem dessa sociedade injusta, é o corpo social de Jesus. Esse não recebe nenhuma atenção nem reconhecimento. Eu penso que só teríamos o direito de sair às ruas com o sinal eucarístico da presença de Jesus se toda pessoa humana  for reconhecida e respeitada por todos os cristãos como verdadeira presença de Jesus no meio de nós. O evangelho de hoje poderia ser Mateus 25, a partir do v. 31: "Quando alimentastes o faminto, vestistes a pessoa nua, cuidastes da pessoa enferma e socorrestes a necessitada, foi a mim que fizestes". Nunca mais me esqueço dessa lição que recebi naquele dia. E desde então procuro ligar esses dois sacramentos, o do altar e  o da rua. O sacramento do altar não começou no altar e sim em uma mesa partilhada e a comida partilhada (toda comida partilhada) é sinal da presença de Jesus no meio de nós. 

Ontem, recebi pelo correio um presente belíssimo: um livro de poemas místicos (não sabia que hoje ainda se faziam poemas místicos, como os de grandes místicos como Tereza de Ávila e João da Cruz no século XVI). O autor é Eraldo Amay, um irmão que me conheceu (penso eu) por esse blog e quis me dar esse presente. Viajei por vários de seus poemas, reunidos em um livro que se chama "Revelações" e que já pela capa de um iogui em postura de meditação oriental me parece profundamente ecumênico e universal. Entre várias jóias que depois posso passar a vocês, me deparei com um poema muito breve e simples chamado "Corpus Cristi" (título da festa de hoje). Diz assim:

"flores flagrantes mimos

folhas verdes das árvores

lua serena e calma

flocos de nuvenzinhas

grãos de areia das praias

sol que se despertava

pedras pelos caminhos

poeira: o pó da estrada

terra fogo ar e água. 

Certamente ninguém se espantará hoje em dia em descobrir nessas coisas cósmicas e terrenas o corpo cósmico e ecológico de Cristo.

Ao meu irmão e amigo Rozivaldo que aniversaria hoje meu abraço e toda a paz e força de Deus e a vocês todos/as que Deus os abençoe com essa alegria de sermos sempre presença de Jesus no mundo. O irmão de vocês Marcelo 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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