O evangelho que as comunidades católicas e anglicanas lêem nesse domingo é o encontro de Jesus com o rapaz rico (Mc 10, 17- 31). Vou repartir com vocês o comentário que escrevi para o meu livro "Boas notícias para todos". Comentário ecumênico ao evangelho de Lucas. É um livro que saiu na Itália, mas nenhuma editora católica do Brasil quis ainda publicar. Todas me responderam que o livro é ótimo, mas não o julgam muito comercial e no momento já têm outros comentários ao evangelho sendo publicados (não necessariamente ecumênicos). Bem, sobre esse encontro de Jesus com o homem rico, escrevi o seguinte:
"Essa cena na qual Jesus acolhe e aconselha um homem importante (notável) da sociedade do seu tempo, ficou mais conhecida como o encontro com o jovem rico, porque é assim que o evangelho de Marcos o chama. Lucas diz que é um homem importante, talvez um dos escribas ou fariseus dirigentes da sinagoga local. Jesus está no seu caminho para Jerusalém, isto é, para entregar a sua vida. O homem lhe pergunta o que deve fazer para alcançar a vida eterna. Frei Betto gosta de comentar que os pobres sempre pedem a Jesus cura, inclusão, vida melhor para já. Os que já têm tudo nessa vida se interessam mais pela vida futura. Jesus une as duas. Não aceita o imediatismo (há um momento no quarto evangelho no qual ele diz: “vocês me procuram porque comeram os pães e ficaram saciados” (Jo 6, 26). Mas também rejeita uma religião apenas baseada na lei e no individualismo. É importante observar que ele não cita os mandamentos propriamente religiosos ou da relação com Deus (Amar a Deus, não pronunciar o seu Nome). Ele insiste nos que dizem respeito ao próximo (Não matar, não roubar, etc). Mas, isso o rapaz diz que já pratica. É um judeu observante. Jesus, então, observa: “Uma coisa te falta”.
Durante séculos, houve na história da Igreja uma teologia que dividia os cristãos em duas classes ou categorias: os que cumpriam os mandamentos de Deus (as obrigações religiosas) e os que, além disso, observavam os chamados “conselhos evangélicos”. Seriam os membros das ordens e congregações religiosas. E essa teologia se apoiava em passagens como essa da palavra de Jesus ao homem rico: além dos mandamentos, se quiser, siga o conselho da pobreza em função da partilha com os pobres.
O Evangelho não contém essa diferença. O que Jesus diz ao homem rico é: Falta algo a você: vendar tudo o que tem, reparta com os pobres. Depois disso, venha e me siga!”.
Em geral, o evangelho de Lucas que é muito radical na opção pela pobreza, neste texto, até parece mais concessivo. Jesus acolhe o homem rico e lhe diz ter um lugar para ele em sua comunidade. Não o rejeita, nem o exclui. Mas, ele tem de fazer uma opção radical e transformadora. E o próprio Jesus concorda que ela é supremamente exigente e difícil. Como é difícil uma pessoa presa a suas riquezas entrar no reino de Deus. Mas, como ser rico e não se deixar aprisionar por aquilo que se possui? Em seus escritos, Marx tem uma reflexão que o dinheiro se torna fetiche e até um ídolo, de modo que as pessoas se tornam servidoras e a riqueza se transforma de propriedade em proprietária.
Por isso, na Bíblia, a pobreza tem duas dimensões importantes: depender unicamente de Deus (por exemplo, no deserto, confiar que diariamente Ele mandaria o maná) e, ao mesmo tempo, repartir o que se é e o que se tem. (O próprio maná se fosse guardado, apodrecia. A regra era tomar só a quantia necessária para cada dia e repartir o que sobrava com seu vizinho). Quase todas as religiões desenvolveram essa noção de partilha. Na Bíblia, a esmola é praticamente sinônimo de justiça e de partilha. No Islã, a esmola é um dos pilares. Um dos mandamentos que todo muçulmano fiel deve praticar. Para nós, hoje, é assim: o encontro com Jesus supõe confiança, despojamento de tanta coisa supérflua a qual às vezes nos apegamos e principalmente disposição de partilhar com os outros o que temos e o que somos".