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Meditação bíblica, sábado, 16 de fevereiro 2013

Hoje à tarde, fui à Católica para um encontro de um grupo de reflexão. Poucos irmãos. Mas, foi um bom encontro. Mesmo frágil, tão importantes essas células de resistência em meio a uma sociedade fútil e vazia. 

O evangelho lido nesse domingo nas Igrejas católicas e anglicanas conta as tentações de Jesus no deserto, segundo Lucas (cap. 4). O evangelho diz que o Espírito de Jesus empurrou-o ao deserto para ser tentado por Satã, ou Satanás.

Gostei de uma explicação do rabino Nilton Bonder, teólogo judeu, sobre Satã: 

O termo hebraico Satã (traduzido no grego por diabolos: diabo) significa acusador. “A palavra demônio (em hebraico Satan) tem sua raiz no verbo bloquear ou impedir. Satan representa um bloqueio nessa conexão com um fluxo sadio, enquanto a Cabala (em hebraico recebimento) se concretiza na liberação desse fluxo”. “Na tradição judaica, Satan é denominado ‘o outro lado’ (Sitra Achra). Não é uma entidade, mas sim forças que nos distraem, nos deslocam do nosso centro-mestre interior e que significam literalmente (em hebraico) obstáculos ao nosso retorno ao caminho da saúde e da integração interior”[1]. 

- É importante meditarmos no significado para nós das tentações de Jesus no deserto. As três tentações propostas pelo diabo resumem as muitas tentações que Jesus teve de enfrentar ao longo de sua vida: a tentação de usar a religião em proveito próprio, como a de exercer o poder para cumprir sua missão e a de aproveitar Deus para seus interesses.

As tentações de Jesus são as mesmas que Moisés e o povo hebreu tiveram de enfrentar no deserto do Êxodo e são as tentações de toda a humanidade. A tentação do pão é a de fazer qualquer coisa para assegurar o sustento material. É a proposta do ter, do depender do que se tem: tentação tão comum à nossa sociedade. Lucas inverteu a ordem das duas últimas tentações como Mateus conta. Colocou em segundo lugar a do poder. Em Mateus, parece mais uma proposta de propriedade. Para Lucas, é uma questão de poder: “Tudo te darei...” A frase que o diabo diz: “Tudo isso é meu e dou a quem quero” é também uma palavra de Deus no livro de Jeremias (27, 5). Isso quer dizer que, ao citar a palavra de Deus como se fosse sua, o diabo é usurpador. E para que? Para deixar claro o seu poder. Para Lucas, o poder vem do diabo...

Sinto isso claramente em nossa Igreja. E basta ver mais profundamente o que estamos vivendo hoje e isso fica bem claro.

 A mais profunda e mais perigosa de todas as tentações é a do poder. E em minha vida, eu já vi como isso aparece na vida até religiosa e quantos males pode fazer: “Eu te darei o poder...[1]” Jon Sobriño, mestre da teologia da libertação, escreveu: “O conteúdo concreto da tentação é o uso do poder que Jesus poderia exercer em sua missão”[2].  

Nesse Evangelho, a tentação do templo aparece em ultimo lugar porque Jesus é tentado por ultimo em Jerusalém, por ocasião da sua Paixão. O evangelho culmina com a sua peregrinação a Jerusalém e a sua Páscoa na cidade santa. E o relato da tentação se abre para a tentação suprema que ele sofreu na hora da paixão e da cruz (Cf. 23, 35- 39). A tentação é usar a religião e a fé para o benefício próprio. Mesmo com a melhor das intenções.

Atualmente, uma forma dessa tentação é fazer de Deus tapa-buraco de nossas necessidades e aprofundar uma religião baseada em milagres. Uma religião de resultados e de interesses sociais ou econômicos.

Para profetas como Oséias, o deserto foi o tempo do namoro de Israel com o Senhor. Quarenta dias foi o tempo do jejum de Moisés (Dt 9,9) e de Elias (1 Rs 19). Sintetiza os 40 anos do povo no deserto e representa toda a duração de uma vida. As tentações de Jesus não são apenas provas nas quais ele tinha de escolher entre o bem e o mal, mas entre dois tipos do que lhe parecia bem. Por exemplo, usar o poder para fazer o bem é válido? Aceitar o prestígio e a fama para ter mais possibilidades de ajudar os outros. Qual será o projeto de Jesus? Paulo nos ensina que essa luta é interior a cada pessoa humana (Rm 7, 15- 22). A comunidade de Lucas conta a tentação de Jesus no deserto tendo como pano de fundo a oração que Jesus ensinou os discípulos a orar: o Pai Nosso (Cf. Lc 11, 1- 4). Assim como Jesus venceu as suas tentações, ele nos ensina a vencer as nossas e de todos os cristãos: através da oração. Jesus nos faz orar: “Dá-nos o pão de cada dia” – Lembram-se de que a primeira tentação no deserto foi ligada  à comida? Temos de aprender a depender de Deus, como o povo antigo de Israel no deserto e como Jesus quis depender, depois que foi batizado. Também na oração do Pai Nosso, Jesus nos ensina a pedir: “Perdoa-nos assim como nós perdoamos” Isso nos leva a vencer a tentação do poder sobre a outra pessoa. Nós libertamos a outra pessoa de qualquer dívida conosco. Essa não foi uma das tentações no deserto? E, finalmente, quando oramos “Não nos deixes cair em tentação” , retomamos a palavra de Jesus para o diabo: Não tentar o próprio Deus.

                           ------------------------ Atenção: irmãos que me têm escrito comentários no blog. Gosto muito quando voces escrevem e quero responder, mas não consigo aqui e vocês não me mandam o email para eu responder. Então não pensem que sou mal educado e não respondo por não ligar. Vou consertar isso e poder responder, mas por hora, só posso por email e se eu tenho o email de vocês. 

Tom Alves, é uma alegria ler o seu blog e é claro que você pode associar o meu ao seu. 

Obrigado Ricardo por suas palavras. Um abração.   

[1] -  MARCELO BARROS, Conversando com Mateus,  São Paulo, Ed. Paulus, 1999, p. 33.

[2] - JON SOBRIÑO, Cristologia a partir da América Latina, Petrópolis, Ed. Vozes, 1983, p. 117.

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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