Neste sábado à noite, estou em Pinerolo, perto de Turim. Hoje à tarde, falei para uma assembléia de umas cem pessoas sobre "na escuta dos pobres que fazem história" (esse foi o título que me deram). Fora, neve e dois graus negativos. Dentro da sala cheia até um certo calor humano. Muitos jovens, vários dos quais tinham viajado ao Brasil e se sentem ligados ao nosso país.
Agora à noite leio o evangelho desse domingo sobre o qual devo pregar. É a história da festa de casamento em Caná da Galiléia (João 2, 1- 12). Uma história bela e conhecida que ainda nos liga com a festa da Epifania. O evangelho diz: é o primeiro sinal que Jesus dá, ele o faz com seus discípulos e através dele mostra sua glória, isso é, manifesta a presença de Deus em seu modo de agir.
De acordo com João, através desse sinal, Jesus começa sua ação no mundo e mesmo antecipa o que ele chama de sua hora, isso é, sua Páscoa. De fato, a tal festa acontece no terceiro dia, o mesmo que, segundo o evangelho, será o da ressurreição.
Gosto de que Jesus tenha inaugurado o seu trabalho missionário não em um templo ou Igreja e sim fora do ambiente religioso, em uma aldeia pobre da Galiléia e em uma festa. Fui formado em uma Igreja que parecia não muito ligado à festa. No entanto, Jesus diz que o primeiro e um dos mais importante sinais do reino de Deus, do projeto divino no mundo, é justamente a festa. Eu gostaria de ser bem mais capaz de suscitar e animar um espírito de festa no mundo.
Essa festa do reino é simbolizada pelo casamento de Caná, um casamento no qual não aparecem os esposos. Não se diz os seus nomes, nem em nenhum momento eles aparecem. Aparecem os convidados e entre os quais Jesus, sua mãe e seus discípulos. E aparece um mordomo e os servos do banquete (que naquela época durava dias). A primeira leitura da missa desse domingo fala de aliança, diz que Israel ou a humanidade é a noiva desse casamento e Deus é o esposo da festa. É nesse casamento que falta vinho, falta o elemento importante da alegria, o símbolo mais comum da festa. E isso parece aludir que as religiões - não só o Judaísmo do templo - não tem mais vinho, isso é, estão em crise e precisam de um vinho novo. E Jesus a pedido da mãe, antecipa sua hora e transforma água em vinho. Em grego, no texto, há um jogo de palavras entre o mordomo e o sacerdote do templo. Eles são os únicos que sabem que não há mais vinho e sabem de onde veio o vinho novo... o melhor que naquela festa estranhamente é oferecido por último e não como primeiro. Hoje, diríamos que esse vinho novo é a espiritualidade, uma cultura amorosa em relação uns aos outros, à natureza e a essa festa que é crer que Deus está em nós, se manifesta em nós, "mais íntimo a mim do que eu mesmo", como dizia Santo Agostinho. Que nossas celebrações e nossos encontros sejam como essa festa de Caná no qual possamos receber de Jesus esse vinho novo de uma aliança nova e cosmoteândrica, como chamava Raimundo Panikkar: aliança que une cosmos, Deus e o ser humano.