Neste 2o domingo da Quaresma, as comunidades leem o evangelho da transfiguração de Jesus. Nesse ano, o evangelista escolhido para contar essa cena é Lucas (Lc 9, 28- 36)
O relato é situado oito dias depois daquele em que Jesus fez uma avaliação sobre a sua missão com os discípulos e lhes falou de sua ida a Jerusalém onde deveria enfrentar o sistema inimigo e provavelmente ser condenado à morte. Lucas insiste que foi “oito dias depois”. O oitavo dia, ou dia após o sétimo, é o da ressurreição. Jesus escolhe três dos seus discípulos, os primeiros que ele chamou. Simão é chamado de “Pedro”, alguns exegetas dizem que “por causa de sua teimosia”. Jesus sobe a montanha para orar. Para a Bíblia e para os evangelhos, a montanha não significa apenas um lugar geográfico. É o lugar da aliança de intimidade com o Divino. Na montanha, Moisés e o povo do Êxodo encontraram a Deus que fez aliança com eles. Na mesma montanha do Horeb, o profeta Elias encontrou a Deus no silêncio da tarde. Também em uma montanha, Jesus vive sua experiência de intimidade com o Divino e pode se deixar ver pelos discípulos em sua natureza mais profunda. A montanha é, por excelência, o local da oração, isto é, da intimidade consigo mesmo e com Deus.
Na simbologia oriental, a montanha representa também a conquista maior do ser humano sobre si mesmo. “É a simbologia do ser humano que elevou a consciência, que elevou a força vital ao topo da cabeça, a “montanha” (chackra de mil pétalas, onde estão as glândulas pineal e pituitária no centro do crânio humano)[1].
A cena na montanha lembra cenas de manifestação divina que aparecem na Bíblia. Ali está presente a nuvem, a luz e o esplendor de Deus, dessa vez revelando a presença divina na pessoa de Jesus, quando este assume sua missão profética de cumprir o seu Êxodo, sua Páscoa, isto é, sua morte, em Jerusalém. Este aparece cercado por dois personagens da primeira aliança e conversando sobre o Êxodo que deveria realizar em Jerusalém. Os discípulos que estavam habituados a sempre ver Jesus em sua cotidianidade, o vêem agora sob um novo ângulo, de um modo novo. Podem contemplar a glória do Pai presente em Jesus. O centro da passagem é a voz que vem da nuvem, declarando Jesus como Filho amado do Pai. Seria como se aquela pergunta que Jesus fez aos discípulos “Quem sou eu?”, o próprio Deus também tivesse querido responder: “Este é meu Filho bem-amado. Escutem o que ele diz”. É assim que Jesus é o Messias de Deus. Este é o segredo que só depois da Paixão, os discípulos poderão revelar.
Essa cena me faz pensar várias coisas.
A primeira e mais simples é como cada um/uma de nós sempre pode se surpreender com a outra pessoa. No que o evangelho conta, quem mudou não foi Jesus. Ele sempre teve nele aquela presença divina. A novidade foi que naquele momento os discípulos perceberam em Jesus uma coisa que não tinham percebido antes. Nós também somos assim. Por mais que conheçamos alguém, temos sempre de estar abertos a descobrir uma presença divina no outro. Os discípulos fizeram isso com Jesus.
Uma outro aspecto que me toca muito é que Jesus mostrou aquele esplendor da glória de Deus na pessoa dele, pobre e frágil, caminhando para morrer em Jerusalém. Ver a presença e a gloria divina em uma situação de vitória e sucesso é mais fácil. Ver em alguém que está por baixo e no caminho da cruz é mais desafiador. Precisamos viver isso. Sempre peço a Deus a graça de ver essa presença divina nas pessoas mais pobres, mais frágeis e aparentemente mais despojadas desse brilho. E aí quando consigo isso, que alegria...
[1] - ALEXANDRE AUGUSTO CAMPELO, idem, p. 35.