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meditação na missa dessa noite de Natal

                “Não tenham medo! Eu lhes anuncio uma grande alegria que é a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês o Salvador, que é o Cristo, Senhor” (Lucas 2, 10- 11).

Queridos irmãos e irmãs, 

 Que alegria podermos nos sentir juntos e unidos uns aos outros para, assim como os pastores naquela noite nos campos próximos a Belém, receber essa boa notícia de libertação. E nós celebramos esse Natal não só porque aceitamos nos colocar no lugar dos pastores para receber essa notícia como teimamos em acreditar que ela é atual e esse anúncio de Deus se passa hoje. É o Hoje da graça. O hoje da Salvação. Não é fácil crer nisso quando tudo concorre para que pensemos: isso foi no passado, mas acabou. O mundo hoje tem uma crueldade tal que se essa história fosse hoje, talvez várias pessoas que estão aqui na Igreja teriam vontade de dizer a José e Maria: cuidado com esses pastores que vêm por aí. Pode ser um assalto. E assim a gente vive uns com medo dos outros e fomenta, alimenta a cultura que faz propaganda da violência e faz a gente ver em cada pessoa desconhecida que encontramos na rua uma ameaça e não um irmão ou irmã como Jesus mandou. Como podemos acolher esse anúncio da salvação do Natal para hoje? 

A primeira recomendação dos anjos foi: vão até Belém... O que significa hoje ir a Belém? A uma aldeia que o profeta Miqueias disse ser a menor de todas as aldeias de Judá. E o problema é que não basta ir a Belém. É preciso ir à estrebaria onde José e Maria se refugiaram. Eu penso que hoje para mim essa palavra se traduz de duas maneiras: uma é eu ir à estrebaria que está no mais profundo do meu ser, a estrebaria da minha fragilidade e de minhas contradições humanas, de minhas carências e de minha pobreza. Quanto mais eu esconder isso de vocês e quiser dar a impressão de equilíbrio, sabedoria e perfeição menos eu vou a Belém e não consigo atualizar para mim o Natal. Mas, eu tenho de fazer isso não para ficar em mim mesmo mas para assumir essa estrebaria que está em meus irmãos e irmãs. A fragilidade, imaturidade, contradições que estão em cada um/uma de vocês. Não porque eu não tenha senso crítico e não perceba os problemas, mas porque como diziam os antigos pais da Igreja, o que não é assumido, não é redimido... isso é, o que a gente não assume, nem Deus pode salvar. 

E as estrebarias de Belém hoje não são somente nesse plano interior e psicológico em mim e em vocês. Essa é a primeira ou as estrebarias mais próximas. Temos de descobrir o presépio de Jesus na realidade pesada de nossas periferias. Como podemos fazer festa de Natal sem nos lembrar das famílias que nessa noite morreram no desabamento de uma barreira em Dois Unidos e por absoluta falta de cuidado do poder público? 

O que hoje o evangelho nos diz é que a intervenção salvadora de Deus no mundo acontece apesar das intervenções opressivas e más dos poderosos do mundo, como foi para Maria e José a ordem do imperador sobre o recenseamento. O tal recenseamento ordenado por Júlio Cesar fez sofrer a José e Maria porque os obrigou a viajar naquela situação de gravidez avançada, mas foi o que possibilitou que Jesus nascesse em Belém como prometiam as escrituras. É misterioso isso: como um acontecimento opressor acaba favorecendo a realização do projeto divino. Podemos dizer mesmo que não somente essas intervenções do poder opressor não conseguem destruir o projeto divino, mas acabem até favorecendo-o. 

Esse projeto ocorre no mundo e em meio aos eventos políticos, mas a partir do mais baixo e insignificante. Só quem testemunha o Natal são pobres pastores que eram marginalizados da sociedade e da religião. E aí o evangelho mostra um contraste muito grande. De um lado, os pastores veem uma coisa linda e maravilhosa: contemplam o céu se encher de luzes, ouvem a palavra do Natal dita por um anjo e ouvem o cântico dos anjos dando Glória a Deus e anunciando paz para a terra. No entanto, aquela palavra recebida dos anjos deve ser confirmada com um sinal. A Palavra se concretiza em um sinal, um começo do acontecimento da salvação e aí é que vem o contraste: O anjo diz aos pastores: vocês encontrarão um menino recém-nascido, embrulhado em palhas e deitado em uma manjedoura de animal. 

Como é possível que todo aquele esplendor de luz e uma notícia decisiva e universal – a salvação para o mundo todo – tenha como sinal algo tão corriqueiro e humilde, quase banal, como é um menino pobre, recém-nascido, deitado em uma manjedoura? E como se traduz isso para nós? 

Tenho a impressão de que o evangelho dessa noite nos chama para prestarmos atenção aos anjos que anunciam a boa nova da paz hoje como possibilidade de nova aliança da humanidade em favor da paz e da vida. E também somos chamados a reconhecer as manjedouras de hoje onde estão nascendo os sinais de uma humanidade nova. Parece que, hoje, esses anjos do novo Natal não estão vindos de uma Igreja mais preocupada com os cultos solenes que irá fazer nessa noite do que com o seu diálogo com os pastores e pastoras pobres que pastoreiam a humanidade nas noites do mundo. 

Não quero concluir sem deixar claro que contemplo essa manjedoura do novo Natal em cada um/uma de vocês, na cotidianidade da vida e na luta de vocês, passo a passo, para viver esse processo de humanização sempre maior e mais profunda e assim ir engravidando o mundo de um novo Natal da humanidade que, apesar de tudo e contra tudo,  vai se tornando divina. Feliz Natal para vocês. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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