Meditação para a manhã do Sábado Santo:
"As mulheres que vieram com Jesus da Galileia a Jerusalém, acompanharam José (de Arimateia) e observaram o túmulo e o modo como o corpo de Jesus foi colocado ali. Depois, voltaram para casa e prepararam perfumes e bálsamos. E no sábado, repousaram, conforme o preceito da Páscoa" (Lucas 23, 55- 56).
Embora o mandamento bíblico seja “não pronunciar o nome e nem fazer imagens de Deus, desde séculos antigos, as Igrejas sempre pretenderam definir Deus como Trindade e falar de Deus como pessoa. Os antigos concílios, convocados por imperadores romanos, fizeram isso a partir de conceitos da antiga Filosofia greco-romana. Até hoje, essa é a fé proclamada no Credo. Atualmente, diversos grupos teológicos falam em uma fé ateísta que não significa ateia no sentido de negar a existência de Deus, nem agnóstica por negar que se possa conhecer Deus. É ateísta no sentido de não falar de Deus como pessoa e sim como dimensão que se manifesta no universo e em nós.
O problema do mundo não é o ateísmo ou a morte de Deus no sentido simbólico e sim a tragédia de que as pessoas e comunidades que creem em Deus e organizaram religiões são coniventes ou até legitimadoras de iniquidades sociais, políticas e culturais que negam a Deus como Amor. Pela atual organização do mundo, ao menos, dois bilhões de pessoas são planejadamente excluídas e descartadas da inclusão social. E esse sistema é extremamente defendido por muitas lideranças religiosas cristãs e de outras religiões. Entre os dez brasileiros mais ricos, dois são pastores de Igrejas evangélicas. E recentemente um grupo católico conhecido (Arautos do Evangelho), construiu um castelo medieval na periferia do Recife em meio a um terreno ainda intocado da Mata Atlântica. O que significa isso?
Para todos/as nós, este dia do Sábado Santo é simbólico. É dia de silêncio, de espera e contemplação. Façamos parte deste grupo de mulheres discípulas que seguiram Jesus desde a Galileia que, conforme os evangelhos, são as únicas que assistem ao sepultamento de Jesus (os discípulos tinham todos desaparecido) e ficam ali observando e contemplando. E depois voltam para casa. É o grande Sábado do repouso pascal, mas mesmo em casa elas preparam os perfumes.
Para nós não se trata de preparar perfumes e sim de preparar os nossos corações e a nossa vida para a noite deste sábado que é ela mesma como o grande sacramento pascal: a vigília mãe de todas as vigílias e celebrações da Igreja.
Em muitas casas de Candomblé de tradição Ketu e Iorubá, existe um ritual que, de certa forma, lembra o que, como cristãos, vivemos na Vigília Pascal. Não devemos tecer comparações indevidas entre caminhos espirituais que são autônomos e cada qual tem seu valor próprio. Apenas trago esta analogia entre a Vigília Pascal e a cerimônia das Águas de Oxalá no Candomblé para compreender melhor que ambas estão ligadas à mudança de estação e têm um enraizamento na natureza que, nestes tempos de crise ecológica, devemos privilegiar.
Em algumas casas tradicionais de Candomblé, nesta época de março ou abril, pelas duas horas da madrugada, a Yalorixá, Mãe da Comunidade, passa acordando todos os filhos e filhas de santo. Estes/as, vestidos/as de branco, com jarros e com bilhas, moringas ou quartinhas de barro, formam uma procissão em silêncio, para enchê-las de água na fonte e irem sempre um atrás do outro até a Casa de Oxalá onde depositam a água e de novo voltam à fonte para buscar água por três vezes. Depois, no barracão, o louvor se transforma em festa até o amanhecer.
Nas antigas cristãs, a Vigília Pascal também tinha uma parte nas fontes de água onde as pessoas que faziam o catecumenato eram batizadas e renasciam das águas para a vida nova da ressurreição. Uma vez, ao ver pela primeira vez o Carnaval de rua em Olinda, um jovem padre, teólogo europeu, especialista em Liturgia que visitava a cidade, fez a seguinte observação: - Gostaria que, um dia, as nossas Vigílias Pascais tivessem este clima de alegria e de espontaneidade, como anúncio de comunhão e vida nova.
O irmão Roger Schutz, fundador da Comunidade de Taizé dizia: Que tua Páscoa seja sem fim!