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Meditação para a manhã do Sábado Santo

Meditação para a manhã do Sábado Santo: 

                                                            Sentinela, em que ponto está a noite? 

                   Ninguém estranhe essa pergunta ser feita nesta manhã ou durante o dia todo deste sábado. Estas palavras ditas pelo profeta Isaías (Is 22) no contexto do cativeiro da Babilônia tornou-se na tradição cristã uma espécie de chave de leitura para entrarmos na espiritualidade do Sábado Santo. Um tempo de silêncio, de espera e de desejo. Um breve texto do evangelho explica o espírito desta espera: 

"As mulheres que vieram com Jesus da Galileia a Jerusalém, acompanharam José (de Arimateia) e observaram o túmulo e o modo como o corpo de Jesus foi colocado ali. Depois, voltaram para casa e prepararam perfumes e bálsamos. E no sábado, repousaram, conforme o preceito da Páscoa" (Lucas 23, 55- 56). 

 Em um dos seus livros, o irmão Roger Schutz, fundador da Comunidade de Taizé, escreveu que, atualmente, a sociedade moderna ocidental parece viver um Sábado Santo permanente. Todos os dias, vive como neste dia no qual o Cristo está no túmulo. Parece que o próprio Deus morreu. Cada vez mais, os discursos tradicionais sobre Deus perdem sentido, um número maior de pessoas se afasta das religiões estabelecidas e crescem no mundo movimentos espiritualistas  mais livres e independentes de quaisquer instituições. As pessoas sem-religião podem se sentir fora das instituições religiosas, mas não são necessariamente sem espiritualidade e menos ainda sem Deus. 

Embora o mandamento bíblico seja “não pronunciar o nome e nem fazer imagens de Deus, desde séculos antigos, as Igrejas sempre pretenderam definir Deus como Trindade e falar de Deus como pessoa. Os antigos concílios, convocados por imperadores romanos, fizeram isso a partir de conceitos da antiga Filosofia greco-romana. Até hoje, essa é a fé proclamada no Credo. Atualmente, diversos grupos teológicos falam em uma fé ateísta que não significa ateia no sentido de negar a existência de Deus, nem agnóstica por negar que se possa conhecer Deus. É ateísta no sentido de não falar de Deus como pessoa e sim como dimensão que se manifesta no universo e em nós. 

 A espiritualidade do Sábado Santo nos convida a dialogar respeitosamente com essas correntes atuais e nos perguntar o que elas podem nos ensinar, mesmo se optamos por caminhar com as comunidades pobres e queremos nos expressar em sua cultura. Assim, para nós,  a fé e a espiritualidade  podem se expressar de formas religiosas ou não. Para nós, o desafio é passarmos como diz Paulo na carta aos romanos: de uma fé que não leva à justiça para uma fé que leva à justiça. E aí sim, precisamos nos inserir nas arenas sociais e políticas do mundo, como cidadãos e cidadãs que dão testemunho do Amor Divino neste mundo sem coração. 

O problema do mundo não é o ateísmo ou a morte de Deus no sentido simbólico e sim a tragédia de que as pessoas e comunidades que creem em Deus e organizaram religiões são coniventes ou até legitimadoras de iniquidades sociais, políticas e culturais que negam a Deus como Amor. Pela atual organização do mundo, ao menos, dois bilhões de pessoas são planejadamente excluídas e descartadas da inclusão social. E esse sistema é extremamente defendido por muitas lideranças religiosas cristãs e de outras religiões. Entre os dez brasileiros mais ricos, dois são pastores de Igrejas evangélicas. E recentemente um grupo católico conhecido (Arautos do Evangelho), construiu um castelo medieval na periferia do Recife em meio a um terreno ainda intocado da Mata Atlântica. O que significa isso? 

 

Para todos/as nós, este dia do Sábado Santo é simbólico. É dia de silêncio, de espera e contemplação. Façamos parte deste grupo de mulheres discípulas que seguiram Jesus desde a Galileia que, conforme os evangelhos, são as únicas que assistem ao sepultamento de Jesus (os discípulos tinham todos desaparecido) e ficam ali observando e contemplando. E depois voltam para casa. É o grande Sábado do repouso pascal, mas mesmo em casa elas preparam os perfumes. 

Para nós não se trata de preparar perfumes e sim de preparar os nossos corações e a nossa vida para a noite deste sábado que é ela mesma como o grande sacramento pascal: a vigília mãe de todas as vigílias e celebrações da Igreja. 

 De acordo com um antigo relato cristão, as Atas dos Mártires, no século III, os cristãos de Abilene, no norte da África, enfrentaram o martírio só para não ter de renunciar a celebrá-la. Não que eles reduzissem a experiência da fé ao culto. A razão é que eles sentiam necessidade da Vigília para alimentar a fé e um novo estilo de vida. Por isso, escreveram ao imperador: “Sem a vigília do Senhor não podemos viver”. 

Em muitas casas de Candomblé de tradição Ketu e Iorubá, existe um ritual que, de certa forma, lembra o que, como cristãos, vivemos na Vigília Pascal. Não devemos tecer comparações indevidas entre caminhos espirituais que são autônomos e cada qual tem seu valor próprio. Apenas trago esta analogia entre a Vigília Pascal e a cerimônia das Águas de Oxalá no Candomblé para compreender melhor que ambas estão ligadas à mudança de estação e têm um enraizamento na natureza que, nestes tempos de crise ecológica, devemos privilegiar. 

Em algumas casas tradicionais de Candomblé, nesta época de março ou abril, pelas duas horas da madrugada, a Yalorixá, Mãe da Comunidade, passa acordando todos os filhos e filhas de santo. Estes/as, vestidos/as de branco, com jarros e com bilhas, moringas ou quartinhas de barro, formam uma procissão em silêncio, para enchê-las de água na fonte e irem sempre um atrás do outro até a Casa de Oxalá onde depositam a água e de novo voltam à fonte para buscar água por três vezes. Depois, no barracão, o louvor se transforma em festa até o amanhecer. 

 

Nas antigas cristãs, a Vigília Pascal também tinha uma parte nas fontes de água onde as pessoas que faziam o catecumenato eram batizadas e renasciam das águas para a vida nova da ressurreição. Uma vez, ao ver pela primeira vez o Carnaval de rua em Olinda, um jovem padre, teólogo europeu, especialista em Liturgia que visitava a cidade, fez a seguinte observação: - Gostaria que, um dia, as nossas Vigílias Pascais tivessem este clima de alegria e de espontaneidade, como anúncio de comunhão e vida nova. 

O irmão Roger Schutz, fundador da Comunidade de Taizé dizia: Que tua Páscoa seja sem fim!

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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