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Meditação para preparar o Tríduo Pascal

Marcelo Barros

Há sempre um galo que canta.

 

               Nesta quinta-feira santa, entramos na celebração do Tríduo Pascal, o centro de todas as celebrações do ano. Nos tempos antigos, os pais da Igreja chamavam esses dias:  as celebrações pascais. A quinta-feira santa é considerada A Páscoa da Ceia, memória da noite em que, conforme a tradição da Igreja, Jesus tomou sua última ceia com seus discípulos e discípulas e nos deu a eucaristia como sacramento da aliança nova. Na sexta-feira, celebramos a Páscoa da Cruz, atualmente um grande desafio para nós: reler e reinterpretar a fé e o evangelho da Paixão não mais em uma linha sacrificial e sim como testemunho (martírio) do Cristo que, pela doação de sua vida, renovou o mundo e a todas as pessoas que se incorporam à sua doação. O sábado como dia de espera e a noite do sábado para o domingo, a mãe de todas as vigílias da Igreja, o sacramento por excelência de nossa fé: a Páscoa da ressurreição. 

 

              A quinta-feira santa é o dia que nos chama a uma volta para a intimidade de Deus e para recuperar a intimidade mais profunda da aliança e da fé... De fato, sem dúvida, é pena que justamente, tantas vezes, as nossas Igrejas tenham perdido esse caráter de intimidade que, conforme os evangelhos, na sua última ceia com seus discípulos e discípulas, Jesus viveu. Sem dúvida, o evangelho de João coloca nos lábios de Jesus as palavras mais íntimas, mais carinhosas e ternas que jamais foram escritas.  No discurso durante a ceia, Jesus chama os seus discípulos e discípulas de Meus filhinhos, diz claramente: "Assim como o Pai me amou, eu amo vocês....". E durante quatro capítulos (do 13 ao 17), o evangelho de João passa de uma declaração de amor a outra... Cada uma mais íntima e mais profunda.

E tudo isso tem uma preparação. No evangelho de Mateus, os discípulos perguntam a Jesus: Onde o Senhor quer que lhe preparemos a Páscoa? (Mt 26, 16- 17). Quantas vezes, chegamos à Eucaristia, sem nos preparar profundamente. E o evangelho diz que um determinado homem, cujo nome ninguém sabe, o texto não diz, põe à disposição de Jesus uma sala. Basta que escute a palavra: O Mestre te manda dizer: O meu tempo chegou. Quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos em tua casa....

            Meu Deus, que coisa incrível, esse homem, do qual nem sabemos o nome nem quem era, dispõe a sala e provavelmente (sendo o dono da casa) participa daquela ceia de Jesus com os discípulos e discípulas (as mulheres que os tinham acompanhado desde a Galileia).

          Preparar essa Páscoa é em primeiro lugar preparar e dispor a sala interior do meu ser. Como aquela sala que é interior a uma casa de família e que, ao que tudo indica, depois da ceia do Senhor, continuou a ser uma sala de uso cotidiano da família.

          Será que isso indica que Jesus gostaria que nossas eucaristias fossem assim, como era nas primeiras comunidades cristãs, nas casas e de forma que não se separassem da vida cotidiana? Por que o evangelho colocou a palavra de Jesus sobre a traição de Judas e sobre a negação de Pedro no contexto da ceia? Será que está aludindo que isso (a traição ao projeto maior de Jesus) ocorre também conosco na Igreja, pelo modo de celebrar e de viver esse mistério?

                 Os evangelhos começam e encerram o relato da eucaristia com a entrega. Entrega da vida de Jesus, entrega feita por ele de si mesmo, mas também entrega que Judas praticou ao traí-lo... E a liturgia repete: Na noite em que foi entregue... Será que pela nossa forma de celebrar, temos alguma coisa a ver com essa entrega, que é a tradição da fé, mas às vezes, pode se tornar a traição da fé, como o evangelho diz a respeito de Judas?

              Assim como Jesus fez com Pedro ao advertir: Antes que o galo cante, você me negará três vezes.... , será que o galo não canta também nas nossas eucaristias? Será que os padres de hoje são capazes de ouvir o galo que canta para nos advertir a respeito das nossas pequenas ou grandes traições? Será que o papa Francisco ao nos advertir do pecado do clericalismo é um galo que não tem sido escutado?

            Será que a proposta da Sinodalidade como forma de ser da Igreja (uma Igreja verdadeiramente eucarística no sentido de comunhão) tem alguma chance de ser aceita por padres que procuram e fazem questão dos primeiros lugares no culto, por jovens seminaristas e tantos leigos e leigas que gostam de celebrações rituais e clericais?

          O homem anônimo que abriu a sala superior de sua casa para Jesus celebrar a Páscoa a dispôs para acolher... Receber gente que ele nunca viu na vida, peregrinos que devem ter chegado sujos dos caminhos desde a Galileia. Deste modo, a primeira eucaristia foi marcada pela partilha e as Igrejas primeiras a chamaram partilha do pão. Partilha vivida na tensão da anunciada prisão de Jesus e no anúncio de uma entrega, doação que é de todo o ser (o meu corpo) e da sua intimidade (o meu sangue).

           Quanto mais conseguirmos ser profundos/as na interioridade do amor e da intimidade com Deus, mais seremos revolucionários/as como  Jesus, na doação da vida e na radicalidade do anúncio de um reino divino que transforma todas as estruturas do mundo. É nisso que cremos e é isso que queremos testemunhar. Pela força do Espírito.

             Em todas as dioceses católicas (de rito latino), na 5a feira santa, o bispo reúne os padres e representações das paróquias na Missa dos Santos Oleos, única celebração permitida na quinta-feira santa, antes da Missa da Ceia do Senhor que deve ser feita depois do pôr do sol deste dia.

             Nesta missa, o bispo consagra os óleos que a Igreja usará durante todo o ano (o óleo dos catecúmenos para os ritos batismais, o óleo para a unção das pessoas doentes e especialmente o Santo Crisma para a confirmação das pessoas batizadas e para as ordenações ministeriais). E desde o Concílio Vaticano II, na base da tradição que vê a ceia como tendo sido a instituição do sacerdócio ministério, costuma-se fazer nesta missa a renovação das promessas e compromissos dos ministros. Em geral, isso ainda é feito de forma muito clerical, separando ordenados e os/as cristãos/ãs não ordenados/as. Como se Jesus tivesse feito essa distinção. E fosse possível manter essa divisão sem cair no Clericalismo que o papa Francisco condena.

           É significativo que, nesta celebração da manhã deste dia, o evangelho proclamado seja Lucas 4, 16 a 21, o texto no qual Jesus proclama a sua vocação profética e diz que o Espírito Santo o ungiu e o enviou para trazer a cura a todas as pessoas doentes e anunciar a libertação a todas que estão presas e oprimidas. Essas palavras de Jesus que revelam sua vocação carismática/ pentecostal e, ao mesmo tempo, transformadora do mundo (social e politicamente revolucionária) nos indicam o projeto divino de uma Páscoa nova não somente para nós, nao apenas para as Igrejas, mas para o mundo. Amém.

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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