Palavra na cerimônia de oferenda de flores
(em homenagem a Simon Bolívar na data da independência da República Bolivariana da Venezuela, Recife, 05 de julho de 2015)
Irmãos e irmãs, companheiros de caminho,
Esse gesto que estamos fazendo aqui, a cerimônia de oferenda floral, por vários motivos, hoje, é um ato profético.
1 - Primeiramente, é profético, porque é sinal de uma nova integração latino-americana. Esse ato de cerimônia floral é costume nos países de língua hispânica por ocasião da data de independência em homenagem aos heróis da pátria. No Brasil, não temos esse costume. Então, é um gesto profético porque nos associa aos irmãos da Venezuela e de outros países para significar a pátria grande de Bolívar, a Abya Yala dos povos ameríndios ou, como chamava José Martí: “Nuestra América”.
2 - É profética também porque a flor é o órgão de reprodução das plantas, a parte de onde sairá a semente e o fruto. Nesse sentido, as flores simbolizam que a revolução é uma flor que dentro de si a semente de uma vida nova, de uma nova energia e vitória sobre a morte. Nada mais significativo para simbolizar a revolução bolivariana do que as flores.
3 - E aí vem o terceiro motivo e o mais atual porque esse gesto de oferenda das flores aqui é profético:
Ele recorda o 05 de julho de 1811, data da assinatura da Ata da Independência da Venezuela. Ali se expressava e concentrava a vontade de um povo em romper as cadeias do colonialismo.
Todo venezuelano sabe e todo latino-americano precisa descobrir que ali, naquele 05 de julho, começou de fato a história de nosso continente como comunidade de povos. Em Caracas, naquele momento, na Junta de Governo formada no ano anterior e no Congresso Constituinte, os patriotas estavam divididos. Alguns queriam proclamar imediatamente a total independência em relação à Espanha, enquanto outros pensavam que um ato tão importante e decisivo teria de ser construído mais lentamente, em um processo gradual. Foi Simon Bolívar, naquele momento, ainda jovem coronel, que lançou o argumento decisivo. No dia 03 de julho daquele ano, Bolívar, profeta de todos os povos latino-americanos, declarou: “Pongamos sin temor la piedra fundamental de la libertad sudamericana. Vacilar es perdernos”.
Claro que para a independência da Venezuela não bastava a assinatura da Ata da Independência. Os monarquistas não a aceitaram e a luta para manter a independência já conquistada prosseguiu até treze anos depois, na decisiva batalha de Ayacucho, em 1824. Mesmo depois daquela vitória contra os inimigos da pátria, o projeto do Libertador não foi compreendido nem pelos que se diziam seus seguidores e aliados. As elites locais se apossaram do poder, fragmentaram o território e deram origens a repúblicas pequenas, frágeis que acabaram aprisionadas ao capital europeu, exatamente no momento em que, na Europa, surgia a revolução industrial precisando de novos mercados.
E o Libertador, como todos os verdadeiros e mais coerentes profetas, foi pouco compreendido, sofreu traições e viu seu projeto grandioso e profundo ser muito diminuído...
De fato, de fato mesmo, a verdadeira e radical independência da Venezuela só ocorreu há menos de duas décadas, quando um homem genial e também profético incorporou em si o espírito do Libertador e foi para nós o Bolívar do final do século XX e da primeira década do século XXI, o comandante presidente Hugo Chávez Frias. Desde jovem, ele foi tomado pelo espírito de Bolívar e foi esse espírito que o guiou em sua persistência e sua fidelidade aos princípios bolivarianos, retomados e atualizados para os nossos dias. De fato, foi o presidente Hugo Chávez que, no seu primeiro mandato, proclamou como o 1o Objetivo del Plan de la Patria: “Defender, expandir y consolidar el bien más precioso que hemos reconquistado, después de 200 años: la independencia nacional”.
Nesse sentido, essa cerimônia de oferenda de flores é profética também porque, ao recordar o 05 de julho de 1811, aqui em Recife, significa que a Venezuela se expandiu. Não é a Grande Colombia desejada e conquistada pelo Libertador, mas é cada vez presente e atuante através da UNASUL, a ALBA não somente dos governos, mas dos movimentos sociais e dos povos do continente.
Embora a independência da Venezuela está muito bem firmada, nunca é um bem inamovível e aceito por todo mundo. Atualmente, não são mais os monarquistas e espanhóis que a ameaçam. Os impérios de hoje são outros e as armas são mais sofisticadas e às vezes, mais difíceis de serem vencidas. As batalhas não são mais como a de Ayacucho, travadas em um território restrito. Hoje, os combates se decidem no plano das ideias, no campo das comunicações, da diplomacia internacional e no imenso desafio da conscientização e da educação de nossos povos. Celebrar hoje a independência da Venezuela é para nós todos uma forma de nos unir, todos os venezuelanos e todos os latino-americanos na defesa dessa independência hoje e de cerrarmos fileiras solidários com o governo bolivariano do presidente Maduro e do projeto que é de todos nós.
Ainda nesse sentido esse gesto é profético:
O nosso mestre e meu amigo Ruben Alves afirmava que a educação é como uma pessoa que tem na mão direita uma caixa de ferramentas para transformar o mundo e na outra mão uma caixa de brinquedos e, diríamos nós, um buquê de flores. A caixa de ferramentas é para fazer com que o processo revolucionário seja eficaz no seu projeto de possibilitar mais vida e dignidade a todo ser humano. A caixa de brinquedos é para significar que a revolução tem uma dimensão lúdica e gratuita. As flores oferecidas não nos deixam esquecer de que toda revolução tem de ser antes de tudo um grande ato de amor. O presidente Chávez dizia que estava convencido disso. E esse ato de amor, temos de começar nós mesmos desde já em todos os âmbitos de nossa vida.
A luta é dura, as dificuldades são imensas, como diz a canção imortalizada pela peça “O homem de la Mancha”:
Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer
O inimigo invencível
Negar
Quando a regra é vender
Sofrer
A tortura implacável
Romper
A incabível prisão
Voar
Num limite improvável
Tocar
O inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão