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Minhas palavras na cerimônia feita pelo Consulado da Venezuela no Recife - 06 de julho de 2016

Palavra na cerimônia de oferenda de flores

(em homenagem a Simon Bolívar na data da independência da República Bolivariana da Venezuela, Recife, 05 de julho de 2015)

Irmãos e irmãs, companheiros de caminho,

Esse gesto que estamos fazendo aqui, a cerimônia de oferenda floral, por vários motivos, hoje, é um ato profético.

1 - Primeiramente, é profético, porque é sinal de uma nova integração latino-americana. Esse ato de cerimônia floral é costume nos países de língua hispânica por ocasião da data de independência em homenagem aos heróis da pátria. No Brasil, não temos esse costume. Então, é um gesto profético porque nos associa aos irmãos da Venezuela e de outros países para significar a pátria grande de Bolívar, a Abya Yala dos povos ameríndios ou, como chamava José Martí: “Nuestra América”.

2 - É profética também porque a flor é o órgão de reprodução das plantas, a parte de onde sairá a semente e o fruto. Nesse sentido, as flores simbolizam que a revolução é uma flor que dentro de si a semente de uma vida nova, de uma nova energia e vitória sobre a morte. Nada mais significativo para simbolizar a revolução bolivariana do que as flores.

3 - E aí vem o terceiro motivo e o mais atual porque esse gesto de oferenda das flores aqui é profético:

Ele recorda o 05 de julho de 1811, data da assinatura da Ata da Independência da Venezuela. Ali se expressava e concentrava a vontade de um povo em romper as cadeias do colonialismo.

Todo venezuelano sabe e todo latino-americano precisa descobrir que ali, naquele 05 de julho, começou de fato a história de nosso continente como comunidade de povos. Em Caracas, naquele momento, na Junta de Governo formada no ano anterior e no Congresso Constituinte, os patriotas estavam divididos. Alguns queriam proclamar imediatamente a total independência em relação à Espanha, enquanto outros pensavam que um ato tão importante e decisivo teria de ser construído mais lentamente, em um processo gradual. Foi Simon Bolívar, naquele momento, ainda jovem coronel, que lançou o argumento decisivo. No dia 03 de julho daquele ano, Bolívar, profeta de todos os povos latino-americanos, declarou:  “Pongamos sin temor la piedra fundamental de la libertad sudamericana. Vacilar es perdernos”.

Claro que para a independência da Venezuela não bastava a assinatura da Ata da Independência. Os monarquistas não a aceitaram e a luta para manter a independência já conquistada prosseguiu até treze anos depois, na decisiva batalha de Ayacucho, em 1824.  Mesmo depois daquela vitória contra os inimigos da pátria, o projeto do Libertador não foi compreendido nem pelos que se diziam seus seguidores e aliados. As elites locais se apossaram do poder, fragmentaram o território e deram origens a repúblicas pequenas, frágeis que acabaram aprisionadas ao capital europeu, exatamente no momento em que, na Europa, surgia a revolução industrial precisando de novos mercados.

E o Libertador, como todos os verdadeiros e mais coerentes profetas, foi pouco compreendido, sofreu traições e viu seu projeto grandioso e profundo ser muito diminuído...  

De fato, de fato mesmo, a verdadeira e radical independência da Venezuela só ocorreu há menos de duas décadas, quando um homem genial e também profético incorporou em si o espírito do Libertador e foi para nós o Bolívar do final do século XX e da primeira década do século XXI, o comandante presidente Hugo Chávez Frias. Desde jovem, ele foi tomado pelo espírito de Bolívar e foi esse espírito que o guiou em sua persistência e sua fidelidade aos princípios bolivarianos, retomados e atualizados para os nossos dias. De fato, foi o presidente Hugo Chávez que, no seu primeiro mandato, proclamou como o 1o Objetivo del Plan de la Patria: “Defender, expandir y consolidar el bien más precioso  que hemos reconquistado, después de 200 años: la independencia nacional”.

Nesse sentido, essa cerimônia de oferenda de flores é profética também porque, ao recordar o 05 de julho de 1811, aqui em Recife, significa que a Venezuela se expandiu. Não é a Grande Colombia desejada e conquistada pelo Libertador, mas é cada vez presente e atuante através da UNASUL, a ALBA não somente dos governos, mas dos movimentos sociais e dos povos do continente.

Embora a independência da Venezuela está muito bem firmada, nunca é um bem inamovível e aceito por todo mundo. Atualmente, não são mais os monarquistas e espanhóis que a ameaçam. Os impérios de hoje são outros e as armas são mais sofisticadas e às vezes, mais difíceis de serem vencidas. As batalhas não são mais como a de Ayacucho, travadas em um território restrito. Hoje, os combates se decidem no plano das ideias, no campo das comunicações, da diplomacia internacional  e no imenso desafio da conscientização e da educação de nossos povos. Celebrar hoje a independência da Venezuela é para nós todos uma forma de nos unir, todos os venezuelanos e todos os latino-americanos na defesa dessa independência hoje e de cerrarmos fileiras solidários com o governo bolivariano do presidente Maduro e do projeto que é de todos nós.

Ainda nesse sentido esse gesto é profético:

O nosso mestre e meu amigo Ruben Alves afirmava que a educação é como uma pessoa que tem na mão direita uma caixa de ferramentas para transformar o mundo e na outra mão uma caixa de brinquedos e, diríamos nós, um buquê de flores. A caixa de ferramentas é para fazer com que o processo revolucionário seja eficaz no seu projeto de possibilitar mais vida e dignidade a todo ser humano. A caixa de brinquedos é para significar que a revolução tem uma dimensão lúdica e gratuita. As flores oferecidas não nos deixam esquecer de que toda revolução tem de ser antes de tudo um grande ato de amor. O presidente Chávez dizia que estava convencido disso. E esse ato de amor, temos de começar nós mesmos desde já em todos os âmbitos de nossa vida.

A luta é dura, as dificuldades são imensas, como diz a canção imortalizada pela peça “O homem de la Mancha”:

Sonhar

Mais um sonho impossível

Lutar

Quando é fácil ceder

Vencer

O inimigo invencível

Negar

Quando a regra é vender

Sofrer

A tortura implacável

Romper

A incabível prisão

Voar

Num limite improvável

Tocar

O inacessível chão

É minha lei, é minha questão

Virar esse mundo

Cravar esse chão

Não me importa saber

Se é terrível demais

Quantas guerras terei que vencer

Por um pouco de paz

E amanhã, se esse chão que eu beijei

For meu leito e perdão

Vou saber que valeu delirar

E morrer de paixão

E assim, seja lá como for

Vai ter fim a infinita aflição

E o mundo vai ver uma flor

Brotar do impossível chão

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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