XXIX Domingo comum: Mc 10, 35- 45.
Neste XXIX domingo do tempo comum, no ano B, o evangelho proposto pelo lecionário é Marcos 10, 35 a 45. Imediatamente antes, nos versículos 32 a 34, Marcos tinha descrito que ao sair da Galileia e subir para Jerusalém, a capital do país e centro religioso do Judaísmo, Jesus advertiu aos discípulos e discípulas, preparando-os para o que ele iria enfrentar em Jerusalém. Esse terceiro anúncio, descrito por Marcos, é mais concreto e detalhado do que os dois anteriores. Agora, Jesus diz claramente que ele e seus discípulos vão a Jerusalém e descreve como se antecipasse tudo o que iria acontecer ali. No entanto, de fato, apesar desses três anúncios, os discípulos continuaram incapazes de compreender o projeto de Jesus. No evangelho de Marcos, os discípulos têm grande dificuldade de compreender o ensinamento e a práxis de Jesus. As pessoas marginalizadas compreendem melhor.
Na situação em que viviam e de acordo com as promessas de Deus na Bíblia, os discípulos e discípulas de Jesus mantinham a esperança de que o Messias traria parao povo a libertação concreta do jugo romano que colonizava a Palestina. Aquilo que Jesus anunciou era o contrário. Soava como fracasso e aniquilamento não só pessoal, mas do projeto de libertação. De fato, para os discípulos que escutavam aquelas palavras, elas soavam como se Jesus estivesse dizendo que Deus queria que ele sofresse a rejeição, fosse condenado e morto na cruz. Portanto, os oprimidos continuariam oprimidos e a organização do mundo continuaria cada vez mais injusta.
Como pedir aos pobres que se conformem com a injustiça que os condena a uma subvida? Como dizer aos milhões de pessoas famintas que o máximo que podemos fazer por elas é passar fome junto com elas? Como convencer aos torturados e a todas as vítimas das injustiças no mundo que aceitem ser perdedores e perdedoras?
Mais tarde, no decorrer da história, pastores das Igrejas se tornaram ricos, ou ao menos, garantiram suas vidas e suas seguranças e aí sim aceitaram com facilidade o anúncio da cruz porque a interpretaram de forma espiritualista e intimista. Para muita gente na Igreja, tomar a cruz passou a significar a renúncia moral ao orgulho, a aceitação das provações que a vida acarreta e um caminho espiritual de mortificação interior. É claro que, para Jesus, não era isso. Mesmo ele tinha dificuldade de compreender, mas o que tinha claro era que não cumpriria a sua missão como um revolucionário que luta pelo poder, mas sim como alguém que propõe uma mudança de civilização e acredita transformar o mundo a partir da solidariedade e da justiça amorosa.
Mesmo Jesus não consegue falar a linguagem de quem só entende a cultura do poder. Por isso, simplesmente responde que não cabe a ele decidir os lugares de honra. E se lamenta: "Vocês não sabem o que estão pedindo". Para demonstrar isso, usa duas imagens: a da taça de vinho e a do batismo. Duas imagens para aludir à sua morte na cruz que era a pena reservada pelo Império Romano aos escravizados e subversivos. Os discípulos não entenderam nada e Jesus retoma o que já havia dito antes: "Se alguém quiser ser o primeiro, o chefe dos outros, tem de se tornar o último de todos, o servo de todos" (Mc 9, 35).
Ao escutar, hoje, essas palavras, compreendemos que a cruz de Jesus já tinha começado bem antes dele ir para Jerusalém e ser preso. por estar subvertendo o sistema opressor. Para ele era um sofrimento imenso perceber o total fracasso de sua proposta junto ao grupo mais chegado.
Jesus não podia imaginar que a Igreja Católica e outras Igrejas criariam a estrutura hierárquica de poder sagrado que vigora até hoje e em nome dele. Provavelmente, Jesus nos diria o que dizia Pedro Casaldáliga: “As minhas causas são mais importantes do que a minha vida”. Assim sendo, ver que a sua proposta do reino de Deus vindo a partir do serviço e da cruz não era aceita nem pelos mais íntimos foi mais duro do que todos os golpes sofridos por parte dos soldados romanos.
Atualmente, a proposta de sinodalidade, feita pelo papa Francisco está enfrentando muitos obstáculos por parte de bispos, padres e grupos católicos tradicionalistas. Mesmo muitos que se dizem favoráveis, aceitam a sinodalidade desde que a partir do poder da hierarquia. Seria como se aceitassem o círculo, desde que quadrado.
Que possamos nos despojar de toda ambição de poder e aceitar viver a sinodalidade, ou seja, o caminhar juntos e juntas, através de nossas vidas. Assim, testemunharemos a circularidade das relações como nova forma das Igrejas serem e do próprio mundo novo que desejamos. Sejamos no nosso modo de conviver, agir e lutar as mudanças que queremos. Enfim, o evangelho de hoje nos diz que a libertação e a salvação acontece pela doação de vida, ou seja, pelo testemunho de amorosidade, de ética e de luta pela superação de todas as injustiças.