Recife, 07 de agosto de 2021
Há um ano, você partiu e temos de nos conformar em recordar a sua vida, reviver momentos bonitos que vivemos juntos, buscar manter viva a sua profecia e responder hoje aos apelos do Espírito que você sempre nos ensinou a escutar e acolher.
Por este Brasil, neste primeiro aniversário de sua Páscoa, se realizam videoconferências, livros e eventos. Só podemos ficar contentes com esse fato. Alegria e gratidão pela existência e pela caminhada da Irmandade dos/das Mártires da Caminhada, verdadeira herança espiritual e dom precioso que você deixou para nós e para a nossa Igreja. É uma alegria ver ali reunidos/as, jovens e menos jovens, irmãos e irmãs, vindos da maior diversidade para ensaiar a profecia pascal.
É claro que há sempre o risco de que esses eventos que recordam com afeto a sua vida não se traduzam no compromisso de prosseguir a sua missão. De todo modo, não é mesmo fácil viver a atualidade da sua profecia única e original. Sim, para mim é isso: profecia única e original.
Em minha vida, tive a graça de conhecer e conviver com alguns pastores profetas. Trabalhei alguns anos no secretariado de Dom Helder Camara e me lembro de ter viajado junto com ele, termos ido a Cinema juntos (ele gostava de cinema). Convivi como amigo com Dom José Maria Pires, único bispo que já conseguiu de mim que assumisse uma paróquia por três meses (Cabedelo,1977). Convivi e durante anos, morei na mesma casa com Tomás Balduíno e durante o seus dois últimos anos de bispo de Goiás e fui seu assessor até o dia de sua morte. Além desses, me lembro de outros como Antônio Fragoso, Dom José Gomes, Dom Luciano Mendes e outros, com os quais convivi menos mas me considerava amigo.
Todos foram para mim mestres e testemunhas da santidade de Deus, presente em nossas vidas e na vida do povo. No entanto, não há como negar que a sua profecia era única e original. Você sempre se colocava extremamente próximo, ao alcance da mão e, ao mesmo tempo, parecia sempre como se estivesse além do dia a dia, a viver em cada pequeno detalhe a transcendência do reino e a apontar sempre a utopia.
Só posso lhe agradecer o fato de se mostrar sempre tão simplesmente humano, inclusive com seus pequenos defeitos e, ao mesmo tempo, como dizia meu amigo Gilberto Carvalho: tentava esconder ou disfarçar a profunda santidade em seu rosto e não conseguia. Como Moisés quando desceu do Sinai e descobriu que o seu rosto tinha se tornado luminoso e tentava esconder isso se cobrindo com um véu.
Gostaria de aprofundar mais essa originalidade de sua profecia, mesmo em aspectos nos quais parece que, até hoje, poucos se dão conta. Mas como descrever o indescritível? Como falar o inefável?
Como é possível amar tanto a Igreja sem ser em nada eclesiástico? Como ser ao mesmo tempo tão radical e ao mesmo tempo tão aberto e acolhedor das diferenças? Que segredo havia em ter vivido lutas tão terríveis sem nunca perder a alegria interior e o bom humor de uma inteligência viva e artista?
Sem dúvida, a sua veia poética o fazia sempre voar para além de todas as gaiolas, mesmo as que eram comuns em certos ambientes de esquerda. Relendo os profetas da Bíblia, redescubro em quase todos o estilo poético e de alta qualidade literária. Em você, a poesia e a profecia sempre caminharam de mãos dadas e corações unidos.
Para mim que sinto mais e mais o peso da idade e a fragilidade do corpo, é sempre bom recordar de você nestes anos mais recentes, nos quais a fragilidade da idade e o avanço do irmão Parkinson o limitavam tanto e pediam tantos cuidados. Como sempre e apesar de tudo, você sempre se revelava leve e mesmo tão fragilizado e vulnerável, em cada palavra, mantinha aceso o fogo da profecia e a luz de uma inteligência sempre viva.
Nesses tempos mais recentes, confesso que tanto para não incomodar mais você, como porque tinha medo de não me controlar e não reter as lágrimas, acabei não o visitando. Peço por isso perdão. Mesmo à distância, a cada dia e sempre me nutria da comunhão que desde os anos 70 sempre nos uniu, mesmo quando discordávamos ou algo estremecia em nossa relação. Sempre me lembro de você dizendo ao pessoal da UNICAMP reunido para lhe dar o título de Doutor Honoris Causa (ano 2000): “Em meu quarto, lá no Araguaia, entre tantas lembranças de lutas e sonho, tenho sempre comigo um pequeno cartaz colorido com a palavra Páscoa. Sim, cremos na Páscoa. Somos Páscoa”. Obrigado, Pedro.
Abençoe a mim e a todos os irmãos e irmãs desta caminhada que por você e junto com você continuamos.