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Nem Jesus consegue

O que nem Jesus consegue fazer

                 Neste XXVIII domingo do ano, o evangelho de Marcos 10, 17 a 30 traz um ensinamento duro de Jesus aos discípulos e às discípulas, assim como também a nós todos e todas. Essa história contada pelo evangelho de Marcos e repetida também por Mateus e Lucas, é o único caso no qual Jesus chama uma pessoa para ser discípula dele e fracassa. O evangelho diz que nem Jesus consegue converter uma pessoa rica e apegada às riquezas. 

Marcos começa a história insistindo que Jesus se colocava em caminho. E já sabemos pelo contexto que se trata do caminho para Jerusalém. É o caminho para a missão que se completará na Cruz e na Páscoa. Qualquer pessoa que quiser aderir a Jesus terá de ser dentro desse processo pascal de renovação radical da vida, mas também de cruz, ou seja de entrega e doação. É nesse contexto que alguém (Marcos não define como Mateus que se tratava de um jovem , nem o define como alguém de posição social importante como Lucas sublinha. Para Marcos era apenas alguém). E essa pessoa pergunta a Jesus como pode herdar a vida eterna. Embora Marcos não diga que ele é rico, mostra que a preocupação dele era a herança. Ele já tinha riquezas e heranças  no mundo. Agora, quer herdar até a vida eterna. E Jesus responde: Observe os mandamentos. Quando o rapaz pergunta quais, Jesus cita os mandamentos sociais. Não lembra os mandamentos religiosos. Insiste em honrar pai e mãe, não matar, não roubar... E o rapaz diz que, desde a juventude tem observado tudo isso. Nesse momento, o evangelho de Marcos repete que Jesus o olhou e o amou. É o único momento do evangelho que explicita que Jesus amou alguém. Jesus o olhou amorosamente. Amou-o com predileção. Amou-o como para fundamentar o chamado. É assim com cada um/cada uma de nós: Ele pode chamar e pedir algo radical e muito exigente porque, primeiramente ele nos amou. Ele nos olha com profundo amor. O amor divino que tem no grego um verbo próprio do qual vem o nosso termo ágape. E o chamado é o mesmo que Jesus fez a cada apóstolo: Vem e me segue. Mas, para o rico há uma exigência prévia: vá, venda tudo o que tem. Partilhe com os pobres e então venha e me siga... Não há possibilidade de ser discípulo ou discípula sem se desapegar de tudo o que se possui. O amor de Jesus deveria dar uma força suficiente para aquela pessoa tão boa, tão cheia de boa vontade fazer isso. Jesus que curou tanta gente não conseguiu curar aquele homem ou mulher da sua doença de acumular riqueza. A única coisa que Jesus consegue é provocar que a pessoa fique muito triste, baixe a cabeça e se retire. E nessa breve história que o evangelho conta, não adiantou o olhar  atencioso e amoroso de Jesus repetido por três vezes (nos versos 21,  23 e 27). Fracasso total e Jesus reconhece: é muito difícil uma pessoa rica entrar no reinado divino, isso é, na forma de Deus ser. E também três vezes, o texto diz que os discípulos ficaram espantados. 

A história é contada do mesmo modo que textos anteriores. Primeiramente uma discussão ou conversa aberta e pública e depois um diálogo íntimo de Jesus só com os discípulos e discípulas. Nesse diálogo, os discípulos se espantam com o que Jesus diz e reagem. E Jesus radicaliza mais ainda: É mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus. É como se dissesse hoje que seria mais fácil um acionista de banco entrar pelo buraco da chave do seu cofre do que assumir a caminhada do discipulado de Jesus. Em nome dos discípulos, Pedro lembra a Jesus que eles e elas deixaram tudo e o seguiram. Jesus responde que sim e que isso os leva a receberem de alguma forma cem mais aquilo que deixaram. 

Nos anos 1980, a empresa que construiu uma hidroelétrica na Amazônia foi levada à justiça porque não quis indenizar os direitos de propriedade dos índios Kaiapó. No julgamento, os advogados da empresa argumentaram que os índios valorizam pouco o dinheiro porque assim que ganham repartem tudo com toda a tribo e em pouco tempo o dinheiro se acaba. O cacique Kaiapó, presente no julgamento, respondeu:

- É justamente o contrário. Nós valorizamos tanto o dinheiro que o repartimos de modo que todos possam aproveitá-lo. 

Essa palavra do Evangelho pede de nós hoje optarmos por uma sociedade de doação generosa da nossa vida e de partilha. 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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