Marcelo Barros
Hoje, a
liturgia das Igrejas celebra a festa de Pentecostes, ou seja, o quinquagésimo
dia da Páscoa. É como a conclusão da festa e ao mesmo tempo o seu fruto mais
profundo: a manifestação do Espírito Santo, a ventania do Amor Divino sobre
todo o universo. Nas celebrações deste dia, se sobressaem duas leituras. A
primeira tirada do capítulo 2 dos Atos dos Apóstolos que conta o que aconteceu
na festa judaica de Pentecostes, em Jerusalém, 50 dias depois da Páscoa,
marcada pela morte e ressurreição de Jesus. A outra leitura do evangelho de
João (Jo 20, 19- 23) já foi meditada no 2º Domingo da Páscoa, agora retomada
porque, de acordo com o quarto evangelho, Cruz, Páscoa e Pentecostes é uma
coisa só. O evangelho diz que, Jesus na cruz, entregou o seu Espírito e conta
que na tarde do domingo da Ressurreição, o Cristo Ressuscitado soprou sobre os
discípulos e discípulas reunidos/as e lhes deu o Espírito Santo.
Na
espiritualidade judaica, a festa de Pentecostes começou nos últimos períodos do
primeiro testamento, como ação de graças pela aliança de Deus no Sinai. No meio
do deserto, Deus casou com Israel para expressar seu projeto de casar com a
humanidade toda.
Conforme o
evangelho de João, o Espírito Santo se manifestou sobre a comunidade dos
discípulos e discípulas de Jesus em uma casa onde estavam reunidos. Não foi no
templo, nem em alguma sinagoga. Foi no cotidiano da vida e onde as pessoas
moram. O evangelho diz que aquelas pessoas estavam ali reunidas, de portas
fechadas, como clandestinamente. A
manifestação do Espírito sobre a comunidade dos discípulos e discípulas foi o
começo de um movimento novo e subversivo em relação à religião vigente e ao
sistema político dominante. Esse é o espírito de Pentecostes que devemos
revitalizar hoje.
Nesse novo
Pentecostes, no lugar das chamas de fogo, dos trovões e relâmpagos que desciam
sobre a montanha do Sinai, o sinal do Espírito foi o que o texto dos Atos chama
de “línguas de fogo” para revelar que o primeiro dom do Espírito é a
comunicação. De fato, conforme a primeira leitura da celebração de hoje, (Atos
2), naquele mesmo instante, ali se juntou uma pequena multidão; pessoas de
várias nacionalidades e culturas. Diz o texto: “todos escutavam os apóstolos e os compreendiam como se eles estivessem
falando a língua de cada um”.
Em geral, sofremos
mais pelos desentendimentos que temos no dia a dia, com pessoas que falam a
mesma língua do que pela dificuldade da comunicação em outros idiomas. O
Espírito Santo nos dá a graça de nos compreender. Faz conosco o contrário de
Babel (Gen 11). Lá, o propósito dominador e imperial (Babel era Babilônia)
levou à divisão e à destruição. Em Pentecostes, o Espírito suscita unidade e a
construção de uma nova comunhão. O Espírito Santo nos inspira na linha da
decolonização. Não é o imperialismo que
se impõe, mas ao contrário, a abertura a todas as culturas.
O Evangelho
(João 20, 19- 23) nos diz que o dom do Espírito é consequência da ressurreição
de Jesus. O Ressuscitado nos dá a paz, nos devolve a alegria, nos confirma o
perdão de Deus e pede que sejamos testemunhas deste perdão. “Recebam o Espírito. A quem perdoarem...”
Jesus
Ressuscitado diz à comunidade: “A quem
vocês ligarem o pecado será ligado e a quem desligarem será desligado”. Ao
dizer isso, Ele não está abrindo a possibilidade da comunidade não perdoar
alguém. Temos de perdoar a todos e todas. O que Ele diz é que o Espírito de
Deus dá à comunidade a capacidade de “ligar e desligar” a pessoa do pecado:
responsabilizar ou desresponsabilizar. O perdão é gratuito, mas é
preciso refazer o que foi destruído. Ele nos diz: “A responsabilidade das divisões e das guerras é do modo como vocês
organizam este mundo”. Ele nos perdoa totalmente, mas nos dá a tarefa de
nos empenhar e nos consagrar como testemunhas e construtores da paz.
No mundo atual
são os povos originários que têm dado ao mundo o exemplo de uma organização
própria baseada no bem-viver. Após uma luta muito sofrida e dolorosa, os
indígenas do Sul do México conseguiram o direito de se organizar de forma
autônoma, não como um país diferente, mas como Caracoles, isso é, organizações
comunitárias circulares (como um caracol) que, através do diálogo e de relações
horizontais, se responsabilizam pelo bem-comum. Podemos reconhecer nesta forma
de organização uma inspiração do Espírito. A sociedade em que vivemos exclui a
maioria das pessoas e privilegia uma pequena elite. Como seria importante que
acolhêssemos o dom do Espírito neste novo Pentecostes como inspiração para nos
organizarmos de forma mais autônoma e responsável.
Conforme o
costume da Igreja, neste dia, começamos a celebração de Pentecostes, com um
salmo cujo refrão é inspirado no livro da Sabedoria: "O Espírito do Senhor, o universo todo encheu, tudo abarca em seu saber,
tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia"(Sb 1, 7).
Neste 05 de junho, a ONU celebra o
dia mundial do ambiente. Conforme a exegese mais profunda, nos textos bíblicos
mais antigos, o termo hebraico Ruah, Espírito, era a atmosfera que nos cerca.
Corresponde ao que os povos andinos chamam de Pacha-Mama, a Mãe Terra (e Ruah
em hebraico é feminino). E também pode ser compreendido no sentido do Axé das
comunidades de matriz africana. Podemos afirmar sem medo de errar que a Ruah
Divina corresponde ao que, na Laudato Si, encíclica publicada na festa de
Pentecostes de 2015, o papa Francisco
chama de “Ecologia Integral”, presença divina no universo e que nos chama como
energia amorosa ao cuidado e à unidade de toda a comunidade da vida.