Nossas lepras de cada dia
Neste 6º domingo comum, o evangelho lido nas comunidades (Marcos 1, 40- 45) nos traz a quarta luta de Jesus contra o mal. Depois de ter enfrentado o mal no mundo do sagrado (representado pela sinagoga), na casa que representava a Igreja (comunidade doméstica), Jesus enfrenta o mal no descampado, fora das cidades. É o mundo da marginalidade.
No mundo antigo, a figura de uma pessoa com lepra era a imagem de alguém amaldiçoado por Deus e temido pelos homens. O leproso provocava medo, tanto porque a lepra era considerada muito contagiosa, como porque era considerada impura pela religião. Quem tocasse em uma pessoa leprosa era tido como impuro e em situação de pecado (cf. Lv 13).
Só quem podia declarar a cura era o sacerdote. Neste texto do evangelho, o leproso desobedece a lei e se aproxima de Jesus. Não pode pedir que o cure. Pede: se queres, me declara puro. O “se queres” é porque sabe que está pedindo demais. Pede que Jesus vá além da proibição de deixá-lo se aproximar e, além disso, faça uma coisa que competia aos sacerdotes.
Marcos conta esse episódio inspirado nos relatos bíblicos das curas de leprosos, realizadas por profetas como Eliseu que curou o sírio Naaman (Cf. 2 Re 5). Na história, o profeta manda o homem se banhar sete vezes no rio Jordão. No Evangelho, basta a palavra de Jesus para curar. O homem pede: “se queres, podes me declarar puro”. Jesus responde: “Sim, eu quero”.
O evangelho diz que Jesus ficou comovido – o texto original grego diz: “comovido até as suas vísceras”, como Deus que tem amor uterino e se comove diante do sofrimento das pessoas. O texto diz que Jesus não só falou com o leproso, (isso já era perigoso e proibido pela lei) mas o tocou com a mão. Conforme a lei, ao tocar no leproso, Jesus se torna, ele mesmo, impuro.
Às vezes, alguém nos pede uma coisa e, sem pensar, imediatamente, dizemos: Sim. Depois, quando nos damos conta do que se trata, nos arrependemos de ter aceito, mas já é tarde. Provavelmente, ao menos, alguma vez, isso já aconteceu com vocês. Neste evangelho, parece ter havido algo assim. Diante do sofrimento do homem, Jesus não hesita e, sem pensar, responde: Quero. Depois, quando se dá conta da situação, o homem ficou puro e reintegrado na sociedade, enquanto, ele, Jesus, se torna impuro. O evangelho diz que se torna clandestino, marginal.
Jesus manda o homem curado ir aos sacerdotes para comprovar a cura e, assim, ser de novo admitido na comunidade. Ao mandar o rapaz ao templo, Jesus provoca diretamente o sistema sacerdotal. Ele diz ao homem: “Vai e paga a oferta prescrita, como testemunho contra eles”(1, 44). Por que esse “como testemunho contra eles”. Contra eles, quem? Os sacerdotes. E que testemunho? “mostrar que a gente não precisa deles para revelar que Deus é amor e está do lado do sofredor”. É como se ele dissesse: Mostre a eles o que estou fazendo, sem pedir sacrifício, nem dinheiro de ninguém. Conforme alguns manuscritos, Jesus teve raiva (o verbo grego usado foi encolerizar-se). Ele enfrenta o sistema opressor que mantém essa cultura de marginalização e discriminação das pessoas em nome de Deus.
Essa realidade que o evangelho mostra hoje nos lembra essa atual polêmica que a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 está suscitando nos grupos católicos tradicionalistas e de direita. Jesus provoca mesmo.
No evangelho de Marcos, é a primeira vez que Jesus pede a uma pessoa curada para guardar segredo. “Não conte a ninguém”. O homem não obedece. Quem ainda pensa a missão como pregação e proselitismo pode querer ver na figura desse homem curado uma espécie de missionário que anuncia a palavra de Deus. Isso é contrário ao que diz o evangelho. O fato daquele homem espalhar que foi curado criou muitas dificuldades para Jesus. Não ajudou na sua missão. Ao contrário, dificultou. A missão do homem curado não era divulgar a notícia da cura e sim ajudar Jesus no seu confronto com o sistema sacerdotal. E a narrativa acaba dizendo que aquilo que a lei prescreve ao leproso, agora cai sobre Jesus que o tocou. É Jesus que fica obrigado a morar fora da comunidade. É uma alusão a Isaías: “Ele carregou sobre si os nossos males e assumiu para ele a nossa lepra (Cf. Is 53, 3- 5).
Vivemos na era que se diz da globalização e mais marginalizou e excluiu multidões de pessoas das mínimas condições de vida humana. Nunca o mundo viu tanta gente passando fome, na marginalidade e na discriminação social. Em um mundo que avançou na consciência dos direitos da mulher e das diversidades sexuais, setores tradicionais cristãos se unem à parte pior da sociedade para apoiar discriminações e legitimar o desamor. Avançamos enquanto humanidade, em diversas lutas. O caminho é construir pontes de amizades com todos que são diferentes, unindo-nos pelo que nos é comum e como testemunho do amor divino que quer um mundo transformado. Uma parábola judaica conta que um devoto passou e viu um leproso muito ferido e marginalizado. E ele disse a Deus: - Senhor, como você vê um filho seu nesta situação e não faz nada?
Deus lhe respondeu: - Como não faz nada? Eu fiz você!....