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Novas murmurações na caminhada com Jesus

Nossas murmurações e queixas na caminhada com Jesus

                     Neste XIX domingo do ano, o evangelho proposto (João 6, 41- 51) continua a discussão entre Jesus e os cristãos de origem judaica. Até o domingo passado, a discussão era entre Jesus e a massa de gente que o encontrou “do outro lado do lago”, isso é, fora das estruturas da religião e da cultura judaica da época. E a essa multidão, Jesus pede que as pessoas distingam o que é sinal e o que é realidade. E se apresenta como o alimento que Deus dá à humanidade para que todos e todas possam viver uma vida nova. 

No trecho do evangelho de hoje os interlocutores mudam. Já não é a massa de gente sem religião e sim aqueles que o quarto evangelho chama de “judeus”. Historicamente, seriam os judeus que vivem na Galileia e naquele território de fronteira. Talvez, na época em que esse evangelho foi escrito, se refira aos cristãos ligados à comunidade, mas que continuam apegados à lei e às tradições judaicas, como se estas fossem a salvação. Jesus tinha dito a esses judaizantes: o pão partilhado é sinal, importante, mas sinal de algo maior. Aprendam a ir além dos sinais. Ainda hoje, quantas vezes, nós mesmos, católicos ou evangélicos, ficamos presos aos sinais e não conseguimos ir além. Não seria essa a doença dos religiosos tradicionalistas, presos a uma religião cultual, ao sacramentalismo e aos legalismos?

A Bíblia conta que, antigamente, no deserto, os hebreus que Moisés tinha conduzido para fora do Egito murmuraram contra Deus e contra Moisés no deserto. Agora, esse evangelho conta que, no deserto, os judaizantes murmuram contra Jesus. Nos tempos de hoje, as murmurações se tornam fake news. São vídeos de acusação contra o papa Francisco e contra bispos, padres e comunidades que ousam ir além da tradição. 

De acordo com o evangelho, Jesus aceita as perguntas de qualquer pessoa, acolhe as dúvidas dos discípulos e das amigas como Marta e Maria. Até  gosta quando Pedro, Filipe ou outro discípulo o questionam. No entanto, se ofende quando as pessoas caem no vício da murmuração. Murmuração vem de murmúrio. Todos nós temos experiência de estar em uma sala querendo prestar atenção a alguém que fala e, ao nosso lado ou atrás de nós, duas ou três pessoas cochicham outra coisa. 

Na caminhada das comunidades, murmurações são os ruídos de comunicação (murmúrios) que impedem ou dificultam a comunicação transparente e direta. Muitas vezes, até hoje, nas comunidades e na caminhada dos movimentos sociais, há murmurações. Isso não une. Divide. A murmuração pode tomar o jeito de fofoca, ou simplesmente de críticas que são ditas, mas não assumidas. Isso dificulta a caminhada comum. No século VI, na Regra para os mosteiros, São Bento diz que há dois pecados que são os piores que alguém pode cometer contra a vida comunitária. O primeiro é se apossar privadamente do que é comum. O segundo pecado é semelhante só que no lugar de ser com as coisas materiais a apropriação privada se dá pela comunicação. (Não conte a ninguém. Só estou falando isso com você). O pecado da murmuração é diferente da crítica e do questionamento. Críticas e questionamentos são úteis e necessários. A murmuração, não. É feita por trás, ou de forma escondida. Trai a confiança e quebra a comunhão. 

No caso deste evangelho, o motivo da murmuração é Jesus ter dito: eu sou o alimento que Deus dá para a vida de vocês. As pessoas da comunidade apegadas à lei e à letra da Bíblia perguntavam: Como ele pode se comparar com o profeta Moisés? Como pode dizer que vem de Deus se é um homem igual a nós? Nós conhecemos a sua origem pobre, o vimos crescer em Nazaré. Conhecemos sua família. 

Até hoje, a humanidade de Jesus e dos profetas pode ser vista como obstáculo para as pessoas crerem. Neste dia, celebramos um ano da páscoa do nosso profeta Pedro Casaldáliga e, em todo o Brasil, as Igrejas locais o recordam com carinho e gratidão. No entanto, me lembro de tê-lo visto isolado e incompreendido por não poucos bispos que o marginalizavam e às vezes até o hostilizavam nos encontros regionais e de pastoral.

Quem conheceu Pedro mais de perto, lembra que o que mais nele chamava a atenção não eram em primeiro lugar os discursos e ações. Era o seu olhar, os pés descalços, o corpo frágil e a sua humanidade. Ainda nos anos 1970, ele escrevia em um breve poema:

Por esse simples fato

de ser também bispo,

ninguém irá me pedir

– assim espero, irmãos –

que eu deixe de ser

um homem humano.

 Todos nós vivemos porque nos alimentamos. O alimento em nós se transforma em sangue e energia de vida. Quando nos alimentamos mal ou de forma desequilibrada, adoecemos. Também no plano interior e espiritual, também precisamos nos alimentar ou receber de Deus nossa energia. Ao se colocar como “alimento vindo de Deus para a vida do mundo” e nos mandar comer, ou seja, assimilar a sua carne, ou seja, a sua pessoa humana, hoje, Jesus nos interroga sobre qual energia nos alimenta e anima. Podemos nos alimentar de nós mesmos e do nosso próprio eu. Hoje, somos de novo chamados e chamadas a nos alimentar de Jesus e do seu projeto de vida e o seu testemunho do reinado divino no mundo. 

 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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