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O amor como pedagogia social

A fé como pedagogia de amor social

            Neste XXXI domingo comum do ano B, o evangelho de Marcos 12, 28 b – 34 mostra a última controvérsia de Jesus com religiosos do templo de Jerusalém. Provavelmente, ao contar essa cena na qual  Jesus conversa com um professor da Bíblia, o evangelho de Marcos procura esclarecer para a sua comunidade nos anos 70 do primeiro século, quais as semelhanças e quais as diferenças que existem no modo de interpretar a lei entre a comunidade cristã e a sinagoga do Judaísmo rabínico daquele tempo. 

O evangelho tinha contado que Jesus enfrentou polêmicas com os fariseus e com os saduceus do templo. O fariseu perguntou a Jesus se era correto ou não pagar impostos. Qualquer resposta que Jesus desse poderia ser fatal. O saduceu fez o mesmo ao propor a questão sobre a ressurreição dos mortos. Jesus escapou e venceu as duas controvérsias. Ao ver isso, o professor da Lei procurou Jesus para esclarecer uma questão muito debatida no Judaísmo da época: dos mandamentos de Deus, qual o mais importante.

Diferentemente do encontro de Jesus com os saduceus e com os fariseus, o evangelho não diz que aquele escriba tinha alguma má intenção com sua pergunta. Marcos conta a conversa de Jesus com o escriba como um diálogo sincero. No tempo de Jesus e dos evangelhos, no Judaísmo, um grupo de doutores defendia que entre os mandamentos da lei, alguns são essenciais, enquanto outros são menos importantes. Outros comentadores da Bíblia ensinavam que todos os mandamentos têm peso e importância igual. 

Confrontado sobre isso, Jesus se posicionou de acordo com um princípio que o Concílio Vaticano II chamou de “hierarquia das verdades da fé” (UR 11). Os mandamentos e as doutrinas não têm todas o mesmo valor. Até hoje, ainda há bispos e padres que são capazes de apoiar políticos que defendem violência e são contra os pobres, desde que o tal político se pronuncie contra o aborto ou contra a união gay. Como se os princípios da ética sexual fossem mais importantes do que a própria vida. 

O evangelho conta que o escriba quis saber a opinião de Jesus sobre qual era o mais importante mandamento de Deus. Jesus respondeu com a oração que, no Judaísmo, as pessoas recitam diariamente: o Shema: Escuta, Israel... De acordo com essa oração, inspirada em alguns versos do capítulo 6 do livro do Deuteronômio, o mandamento de Deus não é fazer isso ou aquilo. O que Deus propõe é que, antes de tudo, escutemos como comunidade (na Bíblia, a palavra não é dirigida a uma pessoa individual mas a um Tu coletivo que é a comunidade – Israel). Tanto no plano comunitário como pessoal, a escuta de Deus é o ponto básico para que, escutando que somos amados, também nos coloquemos no caminho do amor. Por isso o primeiro mandamento é “Amarás ao Senhor, teu Deus com tua inteligência, mas também com o teu coração e todo o teu ser...” O primeiro mandamento não é uma lei e sim um chamado a entrar em uma relação de amor. 

Fala-se em adorar a Deus. Parece que, etimologicamente, o próprio termo adorar tem a ver com os, oris, boca. Adorar seria receber na boca o amor e responder a esse amor, assim como se recebe água, alimento,.  O padre Benedetto Calatti, que foi abade do mosteiro de Camaldoli, afirmava que “Deus é um beijo de amor”. 

Essa ética expressa no primeiro mandamento une o Judaísmo e o  Cristianismo em uma mesma pedagogia do amor. A fé judaico-cristã é entrar nesse caminho. Só que Jesus introduz um elemento novo. Ele junta duas legislações que eram separadas: a dos profetas no Deuteronômio 6 com a dos sacerdotes em Levítico 19. Coloca o “ama ao próximo como a si mesmo” como expressão e prática do amor a Deus. 

Jesus não coloca o amor ao próximo como o segundo mandamento. Ele diz que este segundo é igual ao primeiro. E que da união dos dois depende toda a lei e os profetas. Isso até hoje levanta vários problemas. Quando a lei fala em amar a Deus, a religião ensina que este amor se exerce no culto e no respeito ao sábado. Jesus não negou isso. Durante toda a sua vida foi ao templo para as festas principais e conforme os evangelhos, todos os sábados, ia à sinagoga. No entanto, para ele, essa forma de praticar o amor a Deus não bastava. Precisava se refletir no cuidado amoroso com as pessoas. E aí vem uma diferença entre a interpretação dos mestres religiosos e a de Jesus. No evangelho de Lucas, é essa mesma conversa com o professor da Bíblia que faz Jesus contar a parábola do samaritano (Lc 10, 25- 37). Para a maioria dos religiosos, o próximo era o parente, o familiar, o companheiro de trabalho e de vida. Para Jesus, o importante não é quem é meu próximo e sim o contrário: eu sou próximo de quem. Para Jesus, o próximo é o outro em cujo caminho eu me encontro. É o homem ferido na estrada do qual o samaritano se torna próximo. O próximo não é apenas alguém e sim um povo excluído e marginalizado no caminho. Entre nós, o próximo é o conjunto dos povos originários, das comunidades negras, da imensa multidão de famintos e desempregados. Para nós, concretamente, o próximo é o movimento social que temos de apoiar e ajudar. E a fé não pode ser apenas um exercício de culto. Tem de ser pedagogia de amor. Concretamente isso significa o que o pastor Henrique Vieira, em seu livro, chamou de “Amor como revolução”. Trata-se do amor que vai além do sentimento afetivo para uma opção de vida, uma postura na qual o amor se torna um lado que tomamos como aliança que Raimon Panikkar chamou de cosmoteandrismo porque nos une às outras pessoas, ao cosmo e Deus, fonte de todo amor.  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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