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O anel tucum da nossa santidade

Todos os Santos e Santas de Deus: Mt 5, 1- 12. 

                                                                   O anel de tucum da santidade nossa de cada dia

                     Neste domingo, no Brasil, a Igreja Católica celebra todos os santos e santas. É a festa na qual agradecemos a Deus por pertencer a essa comunidade dos santos e santas do céu e da terra. O objetivo dessa festa é celebrar a comunhão a qual nos referimos, quando oramos no Credo: Creio na comunhão dos santos. 

Podemos traduzir isso de duas formas: 

1º- Cremos na comunhão que existe entre todas as pessoas que são de Deus. O Amor Divino une todas as pessoas no céu em uma só comunidade santificada. E essa comunhão dos santos e santas do céu se estende e se manifesta na unidade que liga todas as pessoas que estão na terra ainda militando na luta da vida. 

2º - No entanto, essa comunhão que existe entre as pessoas se amplia no sentido de que existe uma comunhão de tudo o que é bom e que faz bem. Há uma espécie de contágio no bem. O amor, a solidariedade e o cuidado são contagiosos, muito mais do que qualquer vírus ou doença. E a santidade é assim também um bem que se espalha. 

A comunhão é o contrário da imunização. Quando tomamos uma vacina ela nos imuniza. Impede que nosso organismo seja aberto ao contágio de um vírus ou doença. No plano físico a imunização impede a comunhão  e isso é importante, para nos manter com saúde. No entanto, no plano espiritual, a comunhão é quando aceitamos não ser imunes a ninguém nem a nada que impeça a comunhão. Somos pessoas de comunhão.

 Em nossos tempos, tomamos consciência de que essa comunhão de amor e de participação no mistério da Vida não abrange apenas as pessoas batizadas, ou seja cristãs. Atinge a  todas as pessoas que, em qualquer caminho espiritual e mesmo fora das religiões, são tocadas e conduzidas pelo amor divino. É a comunhão dos santos e santas que nos faz reverenciar hoje os nossos ancestrais, honrados nas espiritualidades dos povos originários e nas diversas comunidades de espiritualidade afrodescendentes: Orixás, Inquices, Vodus e outros.   

Além disso, Leonardo Boff e muitos irmãos e irmãs que nos apresentam a Cosmologia atual falam da “comunidade da Vida”. 

Fritjof Capra, cientista e físico, escreve: “A vida não é propriedade de um único organismo ou espécie, mas de um sistema ecológico. Nenhum organismo individual vive em isolamento[1]. O biólogo Emmanuel Almada escreve: “O amor também é fenômeno biológico, como belamente demonstrado por Humberto Maturana. Segundo o neurobiólogo chileno, “o amor é fenômeno biológico que não requer justificação”. É o amor que fundamenta a socialização, uma vez que é ele que permite os encontros recorrentes entre os indivíduos. Ao alargar o espectro do amor para os outros sistemas vivos, é possível compreender o amor como base de todas as alianças, não só entre humanos. É essa tendência de viver juntos, de atenção e aceitação da diferença que permitiu, ao longo da história ecológica da terra, o encontro entre espécies, inclusive entre parasitas e seus hospedeiros. Foi assim, num processo amoroso que há bilhões de anos, na imensidão dos mares primevos, uma bactéria aeróbica penetrou em outra anaeróbica (como parasita ou como alimento, não se sabe), formando os primeiros eucariotos dos quais descendemos (Lynn, 1967, p. 14). (...) É o jogo autopoiético que caracteriza o encontro entre sistemas vivos descrito também por Maturana e Varela, onde se muda para continuar a ser (o mesmo)”.

 Nessa festa, podemos escutar de novo o chamado divino para a santidade que hoje toma forma diferente de outros tempos. A festa de Todos os Santos e Santas é ação de graças pela Páscoa de Jesus que manifesta a força de sua ressurreição na comunhão dos santos e santas, ou seja, a unidade entre todas as pessoas do céu e da terra, de cuja energia nós todos/as recebemos graças e bênçãos.


Nesta festa, as comunidades leem o evangelho das bem-aventuranças (Mateus 5, 1 – 12). Algumas traduções simplesmente traduzem bem-aventurados por Felizes – as pessoas pobres de coração, as pessoas humildes, as que choram e assim por diante. O padre Chouraqui que traduz muito literalmente o termo original prefere a expressão: “Para frente”.  De fato, o termo bem-aventuranças é muito rico. Qualquer que seja a tradução contém um aspecto, mas não consegue expressar toda a riqueza que o termo evangélico contém. Bem-aventurado/a significaria a pessoa que recebe de Deus o reconhecimento de sua honra e do sentido para a sua vida.  Bem-aventurado/a é quem Deus proclama como sendo alguém de sua predileção. Não porque Deus queira a pobreza, ou goste que as pessoas chorem ou vivam em situação de injustiça. Ao contrário, Deus privilegia as pessoas pobres e injustiçadas para lhes dar força de se libertarem e elas não mais serem vítimas da injustiça. 

As comunidades do evangelho ainda viviam em um mundo no qual as infelicidades da vida eram atribuídas ao fato de que Deus teria esquecido essas pessoas ou até, por alguma razão, as condenado à pobreza e à infelicidade. O mundo as considerava malvistas e mal faladas. Jesus subverte esse pensamento e deixa claro: Ao contrário, são justamente essas pessoas que o Pai considera bem-aventuradas: as que assumem a pobreza como opção de vida, as que são pequenas, são humildes, trabalham pela paz, etc... 

Jesus nos propõe uma santidade social e política e não apenas uma forma de virtude interior e íntima. O evangelho de hoje nos diz que Deus dá dignidade, força e sua bênção aos educadores e educadoras que se consagram à educação. Confirma que são bem-aventuradas as pessoas que ousam se assumir como de esquerda e se consagram a ensaiar nova forma de organizar o mundo e a vida. 

 A santidade que Deus quer tem um jeito diferente da imagem habitual do santo e santa. No meio de todos os nossos problemas, fragilidades e mesmo contradições, vamos testemunhando o reino divino no mundo, ou seja, a realização do projeto de justiça e paz. Nos tempos de perseguição às comunidades e movimentos de base, muitos de nós éramos reconhecidos como sendo da caminhada por carregar no dedo o anel de tucum. Pedro Casaldáliga insistia que ter esse anel era responsabilidade imensa: era sinal de que pertencemos à caminhada. Como diz a carta aos hebreus: Assim como Abraão, “esperando contra toda a esperança”, vamos em frente obedecendo à palavra que nos mandou partir. O anel de tucum sinaliza nossa pertença à comunidade concreta dos santos e santas da caminhada libertadora. 


A festa de hoje confirma cada um/uma de nós nessa caminhada. Vamos em frente e com esperança de que nossa vitória não vem de uma conjuntura mais positiva e sim da força do amor divino que está em nós. Esse é o segredo da santidade nossa de cada dia. Até hoje, a comunidade ecumênica de Taizé tem uma oração muito repetida na prece do meio dia que diz: Guarda-nos, Senhor, na alegria, na simplicidade e na misericórdia, segundo o evangelho (das bem-aventuranças). Abençoa-nos nesse caminho..”

 



[1] - FRITJOF CAPRA,  As Conexões Ocultas, Ciência para uma vida sustentável, Sao Paulo, Ed. Cultrix, 2002, p. 23. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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