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O Espírito que liberta os povos oprimidos

O Espírito que dá força aos oprimidos 

“O Espírito do Senhor, o universo todo encheu. 

Tudo abarca em seu saber, tudo enlaça em seu Amor, Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia”

Este verso bíblico, inspirado no Livro da Sabedoria (Sb 1, 7) é o refrão que, desde tempos muito antigos, a Igreja Latina usa para iniciar a celebração de Pentecostes. Ele expressa bem a alegria que celebramos neste dia: a energia do amor divino espalhada por todo o universo. A ventania divina do Amor universal está presente em todas as criaturas e move o universo como um grande organismo no qual tudo está interligado e tudo depende de tudo. 

Quando eu era adolescente, me lembro de ouvir um velho monge (Dom Agostinho Ikas) explicar aos lavradores do interior de Pernambuco:  “Vocês plantam a semente, cultivam a lavoura e neste tempo de junho colhem o milho de São João”. No plano da fé, o Natal é a semente, o Verbo que se faz carne. Entra no nosso terreno humano. A Páscoa que é essa planta que dá flor e fruto e nós todos nos alegramos e bendizemos a Deus. Pentecostes é a colheita do Natal e da Páscoa: É Deus em nós.... De fato, no Judaísmo, Pentecostes é Shuvot: a festa das Semanas, ou seja, das colheitas. 

Na celebração deste domingo, a primeira leitura é o relato dos Atos dos Apóstolos do primeiro Pentecostes cristão que coloca como o Espírito de Deus veio como colheita da ressurreição de Jesus 50 dias depois. Pentecotes reinverte Babel e retoma o acontecimento do Sinai no qual Deus firma a aliança de amor com o seu povo. Infelizmente, hoje, nas Igrejas, há quem continue optando por Babel. São grupos que defendem uma religião dominadora, intolerante e pouco amorosa. Ao contrário disso, Pentecostes é abertura às outras culturas, a um novo modo de ser. É o dom do diálogo entre culturas, entre gerações e entre espiritualidades. 

No relato do evangelho proclamado neste dia (João 20, 19- 23) temos outro modo de contar o mesmo presente que recebemos de Deus. É Jesus ressuscitado que na primeira manifestação ao grupo dos discípulos e discípulas dá o seu Espírito. A Bíblia conta que, no início, Deus soprou sobre a primeira humanidade para lhe dar vida. Assim, o Cristo Ressuscitado sopra sobre cada um/cada uma do grupo para lhe dar uma vida nova. E esta vida nova é a paz da aliança. É o dom da alegria messiânica. Na véspera da partida, Jesus tinha prometido: “Vocês estarão tristes, mas eu hei de ver vocês novamente e aí vocês vão se encher de uma alegria imensa (Jo 16, 20- 22).  Agora, este evangelho diz que eles e elas se encheram de uma alegria imensa ao verem o Senhor. E aos dons maravilhosos da paz e da alegria, o Ressuscitado junta ainda outro: o da reconciliação e do perdão. Neste evangelho, Jesus não dá aos discípulos e discípulas a alternativa de perdoar ou não. O que ele faz é dar a responsabilidade de discernir a realidade e dizer em nome de Deus quem é responsável e quem não é. O Espírito lhes inspira e, então, as pessoas às quais vocês imputarem a responsabilidade do que está acontecendo, serão responsabilizadas. Cabe à comunidade o cuidado de discernir e saber em quem colocar a culpa pelo que está acontecendo e em quem não colocar. É disso que se trata. 

Os Atos dos Apóstolos falam da função que tem o Espírito de possibilitar pessoas e grupos se entenderem em função da liberdade e da libertação. O evangelho insiste na criação de uma realidade nova. O Espírito faz com que a insurreição se torne ressurreição e nossas conquistas se tornem sacramentos e mediações da vinda do reinado divino ao mundo. 

Se nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos mesmo, eu e cada um/uma de vocês, profetas, profetizas de Deus. Portadores do Espírito. E com a tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer” nas Igrejas e no mundo. Quando nos prendemos demais à nossa sensibilidade humana, aos nossos gostos e preferências, não escutamos o Espírito que nos chama sempre a abrir, a ir além e acolher. 

Em nossos dias, neste Pentecostes só podemos nos alegrar com o fato de que nestes dias, lideranças indígenas do Brasil começaram o Parlamento Indígena. Só podemos nos solidarizar aos parentes Ianomami agredidos e atacados por garimpeiros que não se detêm nem diante da morte de crianças. E isso sob a omissão criminosa do governo federal. Em Pernambuco, celebramos a assembleia do povo Xukuru que recordava o martírio do Cacique Chicão nesta 5ª feira 20 de maio. E encerramos a semana Laudato Si com o tema “Sabemos que as coisas podem mudar”(LS 13). 

É o Espírito que faz mudar. Mesmo se podemos nos alegrar com essa presença em nós do Espírito, a Igreja nos aconselha a sempre de novo pedirmos que ele venha, venha e venha e nos impregne com o seu amor. Em uma poesia, Dom Pedro Casaldáliga orava:  

“Vem, Espírito Santo, Vem, ou melhor, vamos:

Faze que nós vamos aonde Tu nos levas.  Tu nunca Te ausentas,

Ar que respiramos,  vento que acompanhas, clima que aconchegas.

Vem, Para levar-nos por esse Caminho, o Caminho vivo, que conduz ao Reino.

Vem, para arrancar-nos, numa ventania de verdade e graça,   

              de tantas raízes de mentira e medo que nos escravizam.

Vem, feito uma brisa, para amaciar-nos, feito um fogo lento, um beijo gostoso, 

a paz da justiça, o dom da ternura, a entrega sem cálculos, o amor sem cobrança, a Vida da vida. 

Vem, pomba fecunda, sobre o mundo estéril E suscita nele a antiga esperança, 

a grande utopia da Terra sem males, a antiga, a nova, a eterna Utopia!

Vem,  vamos, Espírito!”   

Dom Pedro Casaldáliga 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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