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O Espírito subversivo da Vida

 

O Espírito subversivo da Vida

          Nesse domingo, celebramos a festa de Pentecostes. Na tradição latina, o cântico de entrada da celebração eucarística, mas também em alguns ritos o verso que introduz todo o ofício do dia (invitatório) se baseiam em uma palavra do Livro da Sabedoria que Reginaldo Veloso traduziu bem ao cantar: “O Espírito do Senhor, o universo todo encheu, tudo abarca em seu saber, tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia...” (Cf. Sb 1, 7).  

 É belo e consolador cantar isso, mas, nesses dias que vivemos no Brasil e no mundo, ando com mais dificuldade de cantar isso, porque, de modo algum, as palavras que são ditas ou cantadas parecem corresponder à verdade. Quem olha o mundo atual, o Brasil no qual vivemos e a Igreja Católica atual, não parece que o Espírito Santo esteja abarcando tudo, abraçando tudo com seu saber e enlaçando com o seu amor.Na semana passada, nas eleições para o Parlamento Europeu, ganhou o Fascismo do primeiro ministro italiano. No Brasil, ainda há muitos cristãos e até padres e pastores que optam pela direita e não ligam fé e justiça social. E muitos carismáticos ou pentecostais que, tanto na Igreja Católica, como em outras Igrejas, se dizem do Espírito parecem menos livres, menos amorosos e menos solidários do que  ateus que não se dizem do Espírito. Retomo o evangelho de João e recordo para mim mesmo o que Jesus disse a Nicodemos: “O vento (como o Espírito) sopra onde quer. Ouves a sua voz, mas não sabes para onde vai, nem para onde vem” (Jo 3, 8). 

Então, celebro Pentecostes, não porque percebo ou porque sinto a presença e atuação do Espírito. Só posso crer e, mesmo assim, opto por isso. Creio no Espírito e então celebro sua vinda permanente no mundo, a cada instante recriando a vida e suscitando amor onde não havia. 

Nessa semana que coincide com o dia internacional do ambiente (05 de junho), celebro essa subversão da Vida que teima em vencer o domínio da morte e manifestar a resistência da mãe Terra e da natureza tão agredida. E aí perscruto e reconheço a ação do Espírito em mim e em nós (como dizia São Bernardo de Claraval) por causa do tênue movimento de conversão que transforma o meu coração de pedra em coração de carne.Esse é o sinal do Espírito em nós. Celebremos e nos alegremos nessa renovação da vida. 

Cremos na presença do Espírito em cada reunião e cada encontro nosso, seja nas Igrejas, seja nas assembleias de trabalhadores, nos encontros de movimentos sociais e em nossos encontros de amizade e bem-querer, Jesus ressuscitado se revela presente. Assim como naquela tarde de Páscoa, Ele se deixou ver pelos discípulos e discípulas ali reunidos. O texto do evangelho não diz que foi aos doze. Foi aos discípulos e discípulas – numa abrangência bem maior. Há muitas pessoas nem têm consciência disso, mas são discípulas do Cristo Ressuscitado, não por sua fé intelectual ou afetiva e sim por seu cuidado com a vida e sua opção de amor com os irmãos e irmãs.

E hoje, de novo, Jesus ressuscitado sopra sobre mim e sobre vocês  nos dando o seu Espírito, sua energia de vida nova e de amor e nos envia como testemunhas desse amor que fecunda a vida e o universo. Se acolhermos esse dom divino e nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos realmente e de modo profundo, eu e cada um/uma de vocês, profetas, profetizas de Deus, contanto que aceitemos ser subversivos/as em relação ao mundo e às Igrejas.

O maior sinal do Espírito que podemos dar é sermos revolucionários, tanto no plano social e político, quando em todos os outros planos da vida. Se há Espírito de Deus, só pode ser como força transformadora de nós mesmos e do mundo (assim como das Igrejas). Paulo escreveu aos coríntios: “Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade”(2 Cor 3, 17). Podemos afirmar: Onde se manifesta o Espírito de Deus, ali haverá movimento libertador.

Então, que o Espírito atue em cada um de nós e em nossos grupos:

1- Tornando-nos pessoas verdadeiramente tomadas pelo seu Amor. 

2 – Seremos portadores do Espírito na sua tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer”nas Igrejas e no mundo. 

Mesmo se cremos nessa verdade e podemos nos alegrar com essa presença em nós do Espírito, a Igreja nos aconselha a sempre de novo pedirmos que ele venha, venha e venha e nos impregne com o seu amor. Em meus arquivos, tenho guardado um dos antigos poemas do mestre e patriarca Pedro Casaldáliga. Oremos com suas palavras:  

               Vem, Espírito Santo, Vem, ou melhor, vamos: Faze que nós vamos aonde Tu nos levas. 

Tu nunca Te ausentas, ar que respiramos,  vento que acompanhas,

clima que aconchegas. Vem, Para levar-nos por esse Caminho,

o Caminho vivo, que conduz ao Reino.            Vem, para arrancar-nos, 

            numa ventania de verdade e graça,             de tantas raízes de mentira e medo

            que nos escravizam. Vem, feito uma brisa, para amaciar-nos,

feito um fogo lento, um beijo gostoso, a paz da justiça, o dom da ternura,

a entrega sem cálculos, o amor sem cobrança,

a Vida da vida. Vem, pomba fecunda, sobre o mundo estéril

E suscita nele a antiga esperança, a grande utopia da Terra sem males, 

a antiga, a nova, a eterna Utopia! Vem,  vamos, Espírito!

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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