O Hoje de Deus: completei 76
Nada mais belo do que um belo pôr do sol. Em um de seus livros, Rubem Alves compara o entardecer com a última etapa da vida, quando se entra no envelhecer[1]. Quem olha assim, encontra beleza no processo do envelhecimento. Não concordo com quem fala da velhice como “a mais bela idade”. No entanto, apesar de muitos pesares e dores, cheguei inteiro aos 76. O corpo não é mais o que era, mas, por enquanto a cabeça funciona e a memória dá para o gasto. Apesar de todos os pesares, me sinto bem comigo mesmo e não estou procurando nenhum milagre para rejuvenescer
Para toda pessoa, em qualquer cultura, envelhecer é um processo difícil e exigente. Não é fácil ver o corpo ir progressivamente decaindo e optar por manter o espírito jovial, principalmente para mim que optei por manter um permanente relacionamento de comunhão de vida e trabalho com jovens. Tenho descoberto que o diálogo levado a sério e vivido como acolhida interior do outro até o máximo ponto que consigo é elemento de rejuvenescimento interior. Envelhecer com sabedoria, leveza e até sendo capaz de ser feliz é coisa que ninguém ensina a ninguém. Nem sempre consigo mas me proponho a viver o que, em seus últimos anos de vida, Dom Helder Câmara orava: “Meu Deus, faze com que eu envelheça como um vinho que, quanto mais velho se torna mais saboroso e nunca permitas que, à medida que eu envelheça mais, me transforme de vinho em vinagre”.
Se alguém me perguntar na minha vida aquilo no qual mais encontro prazer, tenho de confessar que é nos meus encontros e na minha inserção com lavradores sem-terra, índios, comunidades afrodescendentes e demais pequeninos/as de Deus. Outro dia, alguém me disse: você tem cada amigo estranho. Só tem amigos diferentes... Não perguntei: diferentes de que, ou de quem? Só respondi: certamente é porque eu também sou.
Quando em 1965, me preparava para fazer votos de monge, escolhi como frase para me acompanhar na vida o versículo da carta aos hebreus: “Pela fé, Abraão obedeceu e partiu sem saber para onde ia” (Hb 11, 8). Sobre isso, uma vez, li uma oração, na qual Abraão diz a Deus: O sinal de que era você mesmo que me chamava é não ter dito para onde, nem como eu iria caminhar. Minha vida tem sido assim e se Deus quiser continuará assim até o dia em que ele me chamar.
Cada contato direto com índios, lavradores, assim como com jovens na Comunidade Bremém é sempre para mim uma experiência mística. O risco é de que de tal modo vejo Deus neles e nelas que corro o risco de acabar não os ajudando no concreto da vida. Mas, fazer o que se isso é meu jeito de ser?
Não sei o caminho que ainda resta a percorrer, mas como dizia Dom Helder Camara: “até aqui, sinto ter conseguido pouco, mas prometo que vou dar até o último suspiro da minha vida pela causa a que me consagrei”.
Neste aniversário de 76 anos, o que posso prometer a vocês é isso: não me acomodar e prosseguir a luta que nos é proposta, tendo sempre o Cristo diante dos olhos e “animado por estar cercado de uma tão grande nuvem de testemunhas” (Hb 12, 1). A minha nuvem de testemunhas é essa comunidade maravilhosa de irmãos e irmãs, amigos que tenho espalhados pelo Brasil e até outros lugares do mundo.
Como o apóstolo Paulo, posso dizer: “Sei em quem depositei minha confiança. Estou convencido de que ele vai se manter fiel e a sua promessa vai se realizar”(2 Tm 1, 12).
[1] - Cf. RUBEN ALVES, As cores do Crepúsculo, (A estética do envelhecer), Campinas, Papirus, 2003, 4a ed.