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O medo da morte e a fé no Cristo Ressuscitado

5º Domingo Quaresma – Jo 11, 1-45

                                  Os medos da vida e da morte  e a boa nova de Jesus

              

No romance “Crime e Castigo”, Dostoeivski conta que o jovem Raskonikov que tinha cometido um crime terrível, (matado uma velhinha só para se se sentir acima da lei), encontra Sonya, uma jovem prostituta e ela está com o evangelho aberto na página que conta que Jesus tira Lázaro do túmulo e o restitui à vida. Os dois se amam, mas ele sente que ele tem de ir para a prisão pagar por seu crime e ela jamais será aceita pelas pessoas como esposa dele. De certa forma, ele revela a Sonya o seu desânimo e ela se refere ao evangelho que está lendo e comenta: - Lázaro já estava morto, havia quatro dias e mesmo assim Jesus o tirou do túmulo e o fez reviver. Então, para nós, mesmo se sou prostituta e você um assassino que matou alguém, há esperança... 

Neste 5º Domingo da Quaresma, meditamos no relato de como Jesus faz Lázaro voltar à vida (Jo 1, 1- 45). No quarto evangelho, este relato é contado como sendo o sétimo sinal que Jesus dá aos discípulos e discípulas para que creiam nele e acolham a sua missão. 

             Como todos os grandes sinais do evangelho de João, o relato dessa reanimação de Lázaro também é escrito de modo simbólico. Podemos ler essa narrativa como se fosse um teatro que se passa, simultaneamente, em palco de dois pisos. O piso primeiro é o da comunidade que escreveu esse relato, no final do primeiro século. O outro piso é o que, de fato, teria ocorrido no tempo de Jesus. No primeiro piso, o evangelho devia responder às dificuldades e crises da comunidade cristã que, como já vimos no domingo passado, foi excluída da religião judaica (a partir dos anos 80). E isso norteia o modo como o relato é contado. 

              O texto fala de três personagens principais desse encontro com Jesus. São três irmãos e pode ser que representem, cada um deles uma tendência ou corrente dentro da comunidade cristã do final do século I. Tradicionalmente, a partir da leitura do evangelho de Lucas (10, 38- 42), sempre se disse que Marta representa a corrente cristã mais prática e inserida nos trabalhos do mundo, enquanto Maria representaria o direito da mulher de ser discípula e mais dedicada à escuta  e à intimidade com Jesus. Nesse mesmo tipo de interpretação, Lázaro (em hebraico, El Lazar, ou seja, Deus consola ou dá força) era nome comum entre sacerdotes judaicos. Assim, pode ser que, neste relato do capítulo 11 do quarto evangelho, Lázaro represente a parte da comunidade cristã, ainda presa ao Judaísmo rabínico e que se sentia morta. Lázaro representa o sacerdote judeu, mas não tanto do templo de Jerusalém e sim de Betânia, ou seja de santuários do interior (Betânia significa em hebraico: a casa dos pobres). Sem negar a possibilidade do sentido simbólico, vamos falar como sendo o encontro de pessoas concretas. Vamos ler o texto como está no evangelho.

             Hoje, a ciência conhece várias técnicas de reanimação. Há muitos relatos de pessoas consideradas clinicamente mortas que retornam à vida. De fato, o que Jesus fez não foi ressuscitar o amigo, já que depois Lázaro morreu de novo. A reanimação de Lázaro foi sinal e anúncio da ressurreição de Jesus. Ao restituir a vida ao amigo por quem nutria amor de predileção (o evangelho usa raramente este termo phileo), Jesus acarreta a ira dos responsáveis pelo templo que decidem matá-lo. Jesus coloca em risco a própria vida para restituir a vida a um amigo. 

                 Este evangelho  mostra os discípulos de Jesus com medo de morrer. Sabiam que os sacerdotes e religiosos queriam matar Jesus e por isso não quiseram ir com ele a Jerusalém. Em todo este relato, não se fala na presença de discípulos, a não ser os três irmãos que viviam em Betânia e aos quais Jesus vai visitar. Em todo o episódio, Jesus aparece sempre sozinho. Como o ambiente de Jerusalém, principalmente, por ocasião de uma festa na qual a cidade triplica a população já era muito perigoso para ele, Jesus estava escondido do outro lado do rio Jordão. Clandestino. (Até hoje, a missão é principalmente com os que estão do outro lado). Jesus vai sozinho a Betânia para estar com Marta e Maria que choravam a morte de Lázaro, seu irmão. O evangelho mostra que os três irmãos eram discípulos de Jesus. Esses discípulos moravam em Beth ani: casa dos pobres. É na casa dos pobres que vivem os discípulos e é na casa dos pobres que Jesus se hospeda, até quando foi preso e condenado.  

             O evangelho acentua que o processo de reanimação de Lázaro foi aventura de amizade. A partir da amizade de Jesus por Lázaro e pelas duas irmãs, ele fez o anúncio da vida e da  ressurreição para todos e todas. Através de Jesus, uma relação de amizade pode ser força e luz para enfrentarmos o medo e a morte. Será que temos em nossa vida a feliz experiência de uma amizade que, em determinado momento, se torna para nós cenário através do qual Jesus nos diz: Vem para fora! Sai desse túmulo? 

             Hoje teríamos dificuldade de compreender o diálogo de Jesus com os discípulos. Quando Jesus diz que a doença ou a morte de Lázaro é para a glória de Deus, o que significa isso?  Talvez a tradução atual dessa palavra seja: A glória de Deus se expressa quando enfrentamos a morte e a doença. 

Jesus chega tarde a Betânia. Lázaro já tinha sido sepultado havia quatro dias. Jesus diz: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim ainda que esteja morto viverá (v 25). Para nós, discípulos e discípulas de Jesus, a ressurreição não pode ser algo do futuro, ou só do futuro. Tem de ser experiência presente e vivida agora e já. Para muita gente, a fé liberta do medo, porque traz uma revelação de confiança e proteção divina. Mas, a palavra de Jesus traz uma promessa de ressurreição que nos faz vencer a morte, como Jesus. O grito de Jesus “Lázaro, vem para fora!”(v 43) hoje se traduz de outras formas. Ele nos chama “para fora” de que túmulos e de que situações de morte? 

             Daqui a uma semana, estaremos começando a Semana Santa. Ela pode ser uma celebração apenas litúrgica e ritual, mas pode também ser o tempo oportuno para acolhermos uma Palavra que nos ressuscite de nossos medos e de nossos fechamentos interiores. Será que nos abriremos à liberdade interior de sair dos túmulos de nossos acomodamentos e costumes já sedimentados e retomar um modo de viver a fé mais profética como testemunho de vida e ressurreição para todos e todas? 

Precisamos intensificar o desejo e a preparação interior para celebrar a Páscoa como profecia que nos ajuda a viver na vida cotidiana e no nosso modo de ser um caminho pascal. O sinal da ceia de Jesus que gostamos de celebrar tem de ser vivido a partir do nosso compromisso de trabalhar para que todos e todas tenham segurança alimentar e a fome seja vencida no Brasil e no mundo. Será que as celebrações da Páscoa nos ajudarão a descobrir a liturgia do coração e a possibilidade de voltar a uma fé vivida na comunhão (não pode ser individualista), mas na diáspora (dispersão) e de forma que, mesmo cada um em sua vida própria, nos ajude a nos sentir juntos no caminho de uma ressurreição nossa e de todo o mundo?  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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