O nonagésimo ano de um menino profeta
Neste dia em que o nosso querido irmão e mestre Carlos Mesters entra no seu nonagésimo ano de vida, nós, seus amigos/as e discípulos/as celebramos a ação de graças ao Espírito que presenteou as Igrejas e o mundo dos pobres com a vida e a missão dele, flor frágil, mas muito resistente e que nunca deixou de transpirar e contaminar o universo com o perfume divino.
Conheci Carlos em 1977, quando comecei a fazer parte do secretariado nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e fui encarregado de escrever um livro sobre “A Bíblia e a Luta pela Terra”. Procurei o frei Carlos Mesters para me situar no que estava sendo pensado, na linha de uma leitura bíblica a partir do povo. Ele me recebeu e me deu uma ajuda inestimável. Desde então, nos tornamos amigos e companheiros de caminho. Quando, em 1979, ele e outros companheiros e companheiras fundaram o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), embora não pude assinar a ata de fundação, fui dos primeiros que participei do Conselho do CEBI e da sua equipe de assessores.
Há mais de 40 anos, se espalham por todo o país propostas diversas de leitura bíblica. Muitas delas procuram unir os dados da ciência com a preocupação pastoral de partir da realidade do povo. Carlos Mesters é o pioneiro deste novo caminho teológico e espiritual.
Sem pretender sintetizar toda a riqueza do ensinamento de Carlos Mesters para a leitura bíblica latino-americana, aqui tentarei recordar apenas três elementos entre os muitos outros que podemos descobrir na sua forma de viver a espiritualidade bíblica e de como ele nos comunica a fé e a atualidade da palavra profética.
1 – O primeiro livro da revelação divina: a Vida
Carlos sempre ensinou que Deus escreveu dois livros: a vida e a Bíblia. Para compreender bem a Bíblia é preciso antes acolher o próprio mistério da vida. Quem tem o privilégio de conviver com Carlos Mesters sabe como ele é aberto e sensível às relações de amizade, à sensibilidade com a justiça e à beleza da arte. Tudo ele capta e transforma em parábolas e histórias que nos ajudam a compreender a vida. Desde jovem, inseriu-se na convivência com as pessoas pobres. Isso lhe dá a capacidade de explicar os mistérios mais sublimes da revelação, com imagens simples do dia a dia.
2 – A dimensão subversiva da fé bíblica
Carlos nos ensinou a compreender a Bíblia a partir de uma chave de leitura que percorre todo o texto e toda a história da Bíblia: a revelação de que Deus tem um projeto libertador para a humanidade. Para ler e interpretar isso, Carlos propõe um triângulo que se tornou famoso em seus cursos: texto, contexto e pré-texto. A leitura do texto pede o cuidado de uma boa compreensão dos termos e uma tradução que seja fiel e clara. O contexto é histórico, social e também literário. O pré-texto é a realidade da comunidade que está lendo o texto e as perguntas que a comunidade ou pessoa faz à Escritura. A preocupação com a realidade aparece no começo da maioria dos roteiros que ele fez para os círculos bíblicos e é elemento fundamental de sua espiritualidade social e política.
3 – A leitura pluralista e ecumênica da Bíblia
4 - O nonagésimo ano de um menino embriagado de Deus