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O ovo da serpente

Estamos há poucos dias das eleições presidenciais, como também para o Congresso e para os governos e assembleias estaduais. Muitos já chamaram a atenção para uma onda imensa de ódio e rejeição ao PT que se espalha pelo país. De fato, quase sempre, a Política é mais um ato de paixão do que da racionalidade. E a paixão é boa quando vai na direção do amor e da sensibilidade humana. Mas, quando se acirra ódios e intolerâncias, pode se tornar uma espécie de histeria coletiva que se volta, em primeiro lugar, contra as próprias pessoas que a vivem. 

                 Em 1989, a maioria do povo da Nicarágua, que havia dez anos tinha sido libertado de uma das mais cruéis ditaduras da América Latina e era beneficiado pela Revolução Sandinista com reforma agrária, justiça social, etc, votou pela extrema direita. No dia seguinte às eleições, as pessoas choravam nas ruas e o país todo parecia em luto. Mas, agora já não havia mais o que fazer. Os pobres tinham votado contra eles mesmos... Há dois anos, na Colômbia, depois de uma guerra civil de 50 anos, com milhares de pessoas mortas de um lado e do outro, o povo é chamado a votar a favor ou contra o acordo de Paz entre governo e Frente Revolucionária. A extrema direita, liderada pelo ex-presidente Uribe faz a campanha pelo Não. E a maioria do povo vota contra os acordos de Paz. Do mesmo modo, os pobres votaram contra si mesmos.. 

Agora, desde dois anos, parece que uma onda de extrema direita ameaça tomar conta do Brasil. Os próprios analistas de direita já estão de acordo que em 2016 houve um golpe e que o impedimento da presidente foi ilegal e injusto. Juristas do mundo todo concordam e assinaram declarações de que a prisão de Lula é injusta e ilegal. Mesmo se tivermos muitas críticas ao PT e aos governos que esse partido coordenou, sabemos que a ONU e os organismos internacionais todos reconhecem o avanço social que esse tempo representou. Mesmo com erros e com falhas em vários setores (política agrária, política indigenista, política ecológica), o Brasil avançou muito. Os partidos de direita e a imprensa que serve às elites continuam repetindo que todas as desgraças e coisas ruins pelas quais o Brasil tem passado foram erros do PT. E como não podem falar contra os programas sociais, tomaram a corrupção como tema central (sendo eles mais corruptos do que todos de esquerda) e fizeram disso uma espécie de hipnose das massas que diante dessa palavra deliram e partem para a barbárie. 

Foi uma onda assim de irracionalismo e revolta contra o sistema que, há dois anos, fez o povo da Inglaterra votar pela Brexit e para sair da União Europeia, mesmo com todas as consequências péssimas para a população pobre. A imprensa manipulou os dados e conseguiu que as pessoas votassem contra seus próprios interesses de classe trabalhadora. Nos Estados Unidos, há dois anos, a mesma onda que ninguém sabe muito explicar como, conseguiu eleger Donald Trump presidente. A mesma onda garantiu a tomada do poder em vários países (Argentina, Paraguai, Chile, Colômbia e vários outros) por via eleitoral. 

É claro que por trás disso tem a ação eficiente da imprensa paga e patrocinada por organizações de direita (Millenio, etc) e a própria CIA. E o ponto central do problema não é apenas o pensamento do candidato que representa o Fascismo. 

Nessas eleições brasileiras, os votos na extrema direita configuram um voto contra a humanidade, no que essa significa de fraternidade humana, solidariedade. É um voto contra a confiança no que há de melhor no ser humano. Esses votos revelam um Fascismo crescente que se apodera do conjunto da sociedade como uma loucura coletiva desenfreada. É o “ovo da serpente”, como um antigo filme de Ingmar Bergman mostrava em relação à Alemanha do início dos anos 30. Naquele caso, o Nazismo já estava sendo engravidado. No contexto atual, se trata da ditadura do Capitalismo, em sua face mais cruel e sem disfarces de Democracia. A prepotência do dinheiro que perdeu a vergonha ou qualquer preocupação de parecer justo ou social. É simplesmente a barbárie do mercado dominando o mundo e nos impondo seus fantoches. Ao votar na direita, se vota na Casa Grande escravagista que os banqueiros, empresários e latifundiários representam e financiam. 

É triste perceber que mesmo nas Igrejas cristãs, o ovo da serpente está sendo chocado e bem cuidado. O papa Francisco tem denunciado que “esse sistema mata”. Parece que até agora para a hierarquia e para o clero da Igreja Católica, como para muitos fieis, essa não é a preocupação. 

Não deixa de ser estranho ver pessoas religiosas que movem céus e terra quando se trata de “marchas pela Vida” e a luta contra o aborto aderir à campanha de quem defende pena de morte, prega a violência, chega a justificar estupros e discriminação social, racial e de gênero. Que testemunho essas pessoas e comunidades de Igreja estão dando de Deus? 

No dia 14 de outubro, em Roma, o papa Francisco vai canonizar como santo da Igreja o Monsenhor Oscar Romero, mártir da justiça e da luta pelo que ele chamava de “dignidade da Política”. Ele declarou: “Minha função de pastor me obriga a ser solidário com toda pessoa que sofre e empenhar toda minha vida por uma Política em defesa da dignidade de todo ser humano (homilia do domingo 07/ 01/ 1979). 

Tomara que os cristãos possam escutar essa palavra e segui-la votando nessas eleições a partir desse mesmo critério. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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