3º Domingo do Advento – Mt 11, 2- 11
Marcelo Barros
Com o 3º domingo do Avento, chegamos à
segunda parte do Advento. Nas duas primeiras semanas, os textos
litúrgicos nos convidavam à expectativa do reino. Nesta segunda parte, que
iniciamos hoje, somos convidados/as a preparar com mais intensidade a própria
festa do Natal, para que a memória do nascimento de Jesus nos torne mais
humanos e fraternos. Por causa dessa proximidade do Natal, na tradição
litúrgica, esse é chamado o Domingo da Alegria (em latim: Domingo
Gaudete).
Neste domingo, as comunidades leem o
começo da terceira parte do evangelho de Mateus (Mt 11, 1- 12). Depois de ter
enviado os discípulos em missão (Mt 10), no primeiro verso do capítulo, o próprio
Jesus parte pelas aldeias e cidades da Galileia. Começa a fazer ele mesmo o que
tinha proposto aos discípulos e discípulas. Assim, ele mostra, na prática, o
que significa cumprir a missão e enfrentar os conflitos que a acompanham (v.
1). E o mais estranho é que o primeiro conflito ou incompreensão não vem dos
inimigos. No verso 2, mostra que, da prisão, João Batista manda discípulos
interrogarem a Jesus a respeito de sua missão messiânica libertadora.
Conforme o evangelho, João Batista tinha
batizado Jesus e a partir do batismo, Jesus assumiu uma vocação profética
própria e original. Enquanto João atuava nas margens do Jordão e no deserto,
Jesus se inseriu nas aldeias da Galileia. Enquanto João anunciava a vinda
iminente da justiça divina, Jesus anunciava o amor e a bondade do Pai curando
as pessoas e as libertando de toda energia negativa.
No contexto daquela época, João faz a
Jesus a mesma contestação que hoje muitos cristãos fazem quando alguém cumpre
uma missão libertadora: será que isso não é mais político do que religioso? Na
Igreja Católica de hoje, quantos católicos se pudessem não fariam ao papa
Francisco o mesmo questionamento que João Batista fez a Jesus. Há até padres,
bispos e cardeais que contestam o papa Francisco e se perguntam se ele ainda
cumpre o evangelho ou se mudou para outra coisa.
Hoje, nas Igrejas cristãs, mas também em
outras religiões, a fé e a espiritualidade podem tomar um conteúdo apenas
ritual e do cumprimento de tradições e pode tomar uma dimensão profética de
cuidado verdadeiramente amoroso com as pessoas e de conteúdo político
libertador.
Conforme o evangelho, a primeira pessoa
que teve de se posicionar sobre Jesus foi João Batista, o profeta que estava
preso. Pelo que diz este evangelho, o posicionamento de João não foi
positivo e sim de decepção e incompreensão. Claro que, no caso de João, o
problema não era a separação entre fé e política. Era que Jesus não parecia um
agente da justiça de Deus no mundo. Não tinha a severidade e o rigor que João
achava que o Messias deveria ter. Para anunciar a vinda do Messias, João tinha
se baseado em profecias que prometiam a manifestação da lei de Deus, da justiça
e da cólera de Deus (como Ml 3, 2- 3). No tempo em que pregava nas margens do
Jordão, conforme os profetas que anunciavam a vinda do Messias, João garantia
que o Cristo viria ao mundo trazendo o julgamento divino. O Messias deveria vir
com força, como um machado na raiz das árvores. Separaria o trigo das palhas
para queimá-las (Cf. Mt 3, 10). João Batista foi radical e por isso foi preso.
Agora ele quer que Jesus realize suas obras de juízo, destinadas a privilegiar
os justos e os eleitos e a condenar ímpios e impuros.
Na prisão, João Batista ouve dos seus
discípulos histórias sobre como Jesus atua: curando e repartindo pão para
as massas. E João se decepciona. Entra em crise de fé. Deus lhe tinha mandado
anunciar um tipo de Messias e o que veio foi outro. Assim João se considerava
traído. Podia até ser considerado como um falso profeta. Anunciou uma coisa que
não aconteceu. Esta é a crise do profeta decepcionado. Por isso, ele manda os
discípulos interrogarem a Jesus: “É você mesmo Aquele que vem, ou temos ainda
de esperar por outro?”. A expressão “Aquele que vem” se referia ao Messias que
deveria vir para restabelecer o reinado de Israel e libertá-lo dos seus
inimigos (Cf. Salmo 118, 26; Dn 7, 13).
A dúvida de João é a porta de entrada
desta seção do evangelho que será toda marcada pela desconfiança e mesmo pela
rejeição. Jesus sai em missão e é questionado por João, é cada vez mais rejeitado
pelos habitantes das cidades do lago e acaba mal visto pelos religiosos.
Este evangelho de Mateus quer mostrar a
continuidade entre João e Jesus. Provavelmente, essa desconfiança e o
descrédito foram dificuldades das comunidades cristãs na época em que o
evangelho foi escrito (anos 80). É provável que Mateus tenha contado a crise de
vocação de João Batista e o posicionamento de Jesus sobre João para tratar da
relação conflitiva ou tensa que havia entre o grupo dos seguidores de João e os
cristãos na época dos evangelhos (anos 80 do primeiro século). Então, ao responder
aos questionamentos de João, Jesus está respondendo aos problemas da comunidade
de Mateus, como também das dúvidas e questionamentos nossos que vivemos nos
dias atuais.
Também em nossos dias, muitos irmãos e
irmãs veem a realidade atual e se perguntam que sentido ainda têm a missão e o
anúncio da salvação. Diante do tipo de religião que a gente vê nas Igrejas, o
que significa a missão? Como nos posicionamos quando vemos bispos, padres e paróquias
católicas confundirem a fé com devocionalismos externos e superficiais do tempo
das nossas avós, sem nenhuma profundidade evangélica. Como reagir a uma Igreja
que, mesmo com um papa que propõe aberturas, cada dia mais se fecha ao diálogo
com a humanidade atual? Como reagir ao fechamento de muitos do clero e da
hierarquia católica às questões de gênero? Como reagir ao se ver televisões
católicas sustentando as piores posturas políticas e ligando a missão cristã à
ambição de juntar muito dinheiro em nome de Deus?
As questões de João Batista a Jesus tinha
um sentido mais ou menos assim: será que não está na hora da violência de Deus
contra todo esse absurdo? Você, Jesus, não vai agir como Elias e fazer descer
fogo do céu contra esses ímpios? Como lidar com padres, bispos e pastores que
se revelam falsos profetas?
Jesus não responde diretamente à pergunta
de João. Ele faz referência a profecias diferentes que mostram a
compaixão e a misericórdia divina com os necessitados (Is 35 e 61). Jesus não
quer ser juiz e senhor da história. Coloca-se como pobre, descentrado, sempre
ao lado do pequeno, do sofredor e mesmo do impuro e das pessoas
pecadoras.
As suas ações só destacam uma coisa: a
compaixão com as multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor, como
antes o evangelho tinha mostrado (9, 36). Suas ações são de misericórdia e de
vida para enfermos, pobres, impuros e excluídos. Jesus manda dizer isso a
João Batista e adverte: Cuidado. Aceite isso e não rompa comigo pelo fato
de que a imagem de Deus que proponho não é a mesma a qual você se
habituou. Pelo fato de não compreender, ou por ter pensado uma coisa e
ter acontecido outra, não caia na armadilha do escândalo. Não chegue a “romper
a sua relação de adesão” (sua fé). Deus sempre surpreende a gente.
Até hoje, Jesus nos responde que a solução
para essa crise só pode vir através da radicalização do cuidado com os mais
abandonados e por uma atitude de mais humanidade ainda do que antes
fazíamos.
Após deixar claro qual é a mais profunda
política de Deus e, portanto, a sua maneira de cumprir a missão – como sinal e
testemunha da ternura divina, Jesus fala com o povo sobre João: “A quem vocês
foram ver no deserto?”. Confirma que João é profeta. É mesmo o maior dos
profetas, o precursor do Messias, como um novo Elias, o profeta que a piedade
popular acreditava que voltaria ao mundo antes da vinda do Messias Jesus
encerra a sua palavra com uma sentença enigmática: “Entre os nascidos de
mulher, nunca houve alguém maior do que João. Entretanto, o menor no reino dos
céus é maior do que ele” (v. 11). João é alguém muito importante, o maior de
todos. Mas, de que adianta essa grandeza humana no reino dos céus? No
estilo dos rabinos do seu tempo, Jesus afirma que o importante não é tanto
admirar a João, mas viver de um modo que se possa participar do reinado divino.
As diferenças que João tinha percebido e que fez com que ele se interrogasse
sobre Jesus, de fato, não são assim tão grandes. Jesus conclui com outra
palavra misteriosa: “Desde os dias de João até agora o reino de Deus se toma
pela força e são os fortes que se apoderam dele” (v. 12).
João não precisa saber se Jesus é aquele que há de vir. O que João precisa saber é que ele mesmo, justamente por estar no cárcere, por estar sofrendo perseguição, por defender o direito e a justiça, é o próprio enviado, o próprio Cristo. Esse Natal será Natal para nós se cada um/uma de nós formos esse Cristo que deveria vir e veio para testemunhar o amor e a compaixão divina pelos necessitados no coração do mundo e nas nossas comunidades.