Marcelo Barros
Nesse 3º
domingo da Quaresma (Ano C), meditamos o trecho do evangelho de Lucas (13, 1 –
9), no qual Jesus usa a linguagem dos profetas bíblicos e convida todos à
conversão, ou seja, a uma profunda e radical mudança de vida. Muitas vezes,
estas palavras foram compreendidas como se Jesus estivesse ameaçando as pessoas
e as fazendo temer um castigo de Deus. Muitas vezes, os próprios ministros e
pastores das Igrejas falam de Deus dessa forma e é possível que na comunidade
que escreveu o evangelho de Lucas assim tivesse sido compreendida esta palavra
de Jesus. Se lembramos que, no discurso da montanha, Jesus disse: “Deus faz
nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e faz cair a chuva sobre as pessoas
justas e também as injustas”,
compreendemos que Jesus usou aqui um estilo dos antigos profetas mas não
para ameaçar e sim para pedir conversão.
Infelizmente na
história e até hoje os líderes que promovem guerras não são ateus e sim pessoas
que se dizem religiosas. Há até pastores e teólogos cristãos que abençoam armas
e guerras.
Assim sendo,
hoje, mais do que nunca, esse trecho do evangelho precisa ser relido em seu
contexto e compreendido, de forma a não passar a imagem de um deus que castiga
e se vinga dos que não o seguem.
O contexto histórico
no qual se situa o texto é que, em meio à sua viagem a Jerusalém onde vai
enfrentar o sistema e morrer, Jesus pede aos discípulos e discípulas que
prestem atenção aos sinais dos tempos e aprendam a ler o mundo e interpretar a
realidade (Lc 12, 54- 59).
Conforme o evangelho,
ao caminhar para Jerusalém onde vai morrer na cruz, Jesus adverte os seus
discípulos e discípulas: é preciso aprender a interpretar corretamente os
sinais dos tempos (a realidade social e política do mundo e do país). Ele ia a
Jerusalém com um projeto claro de missão: ia enfrentar o poder religioso e
político e não enfrentar com armas e sim como um profeta pobre e sem poder. Por
isso, iria ser preso, torturado e morto. Os discípulos, mesmo os mais próximos
a ele não só não o compreendiam, como tinham o propósito contrário: estabelecer
o poder religioso e aproveitar Deus do lado deles como força benéfica.
Neste
evangelho, logo depois de ter feito essa advertência, Jesus é informado a
respeito de um massacre de galileus (peregrinos na cidade) cometido por Pilatos
em Jerusalém. Conforme alguns exegetas, esses galileus podem ter sido ligados
aos zelotas contra a ocupação romana e por isso foram “castigados”. É possível que as pessoas que informaram a Jesus sobre
isso quisessem saber a posição dele sobre o movimento zelota, rebelde contra o
Império (movimento armado que acabará se tornando importante na guerra
declarada dos romanos contra os judeus mais tarde - pelo ano 67 D. C). Jesus
não responde sobre isso. O que ele faz é investir contra a concepção farisaica
que acreditava em uma ligação íntima entre as coisas negativas e sofrimentos
que ocorrem na vida e o pecado. Por isso, Jesus pergunta: Vocês acham que aqueles galileus que morreram, eram mais pecadores do
que outros e do que vocês?
No tempo de
Jesus e ainda na época das comunidades que escreveram os evangelhos, os
fariseus diziam: “Somos justos, por isso
não merecemos uma tragédia como aquela”. Ao contrário disso, Jesus denuncia
que todos somos pecadores e todos precisamos de conversão. A dificuldade que
essas palavras suscitam, hoje, é que o modo como Jesus fala ainda dá a
impressão de um Deus que castiga de modo terrível os que não se convertem.
Nessa
história, Jesus muda a imagem de Deus da concepção farisaica, na qual Deus
parece enquadrado nas nossas ações. Para os fariseus e religiosos do templo,
Deus divide as pessoas em puras e impuras, boas e más, santas e pecadoras.
Isso, Jesus mostra que não crê neste deus. O Deus de Jesus é diferente. Mas, para
dizer isso, ele usa a mesma linguagem de Jeremias quando diz que Israel vai
para o exílio por causa de seus pecados. Ele não disse que o mal acontece
porque Deus castiga e sim porque a não conversão leva o povo ou a comunidade a
uma situação de fragilidade e erro que acarretam o mal. De fato. Basta ver a
parábola da figueira estéril. A figueira era comumente símbolo de Israel (Cf.
Jr 8, 13, Os 9, 10; Mq 7, 1). É importante ver que o lavrador pede ao dono da
lavoura a paciência de mais um tempo e
uma nova oportunidade para a figueira que não produz frutos. Toda essa
passagem é marcada pela advertência à conversão.
Neste ano, a
Campanha da Fraternidade insiste na educação como sendo essencial para a vida
em comunidade e a organização de um mundo mais justo. No caminho da fé, este
processo educativo que possibilite “falar com sabedoria e ensinar com amor” faz
parte essencial da conversão pascal que queremos intensificar nesta Quaresma. Todos
e todas precisamos de um processo de educação permanente e crítica para sermos
capazes de tomar posição frente ao mundo e testemunharmos o projeto divino no
mundo. Não se trata apenas de um esclarecimento intelectual. O processo de
conscientização que Paulo Freire propõe é vivencial e pede compromisso com a
transformação da realidade.
No domingo
passado, o papa Francisco completou nove anos de sua eleição como bispo de
Roma. Apesar de todo o seu esforço, amplos setores do clero e da hierarquia
católica, assim como muitos grupos que se dizem cristãos parecem não querer ver
os sinais dos tempos. Não só não se abrem à realidade, como agem no sentido
contrário aos princípios e orientações do evangelho. Ao contrário disso, Jesus
mostra que aprender a interpretar bem a realidade e agir a partir dessa visão é
parte essencial da fé. É um modo de escutar e acolher a palavra de Deus.