Partilho com vocês as palavras que acabei de proferir na antiga Sé de Olinda, na Missa celebrada pelo arcebispo Dom Fernando Saburido, por ocasião do aniversário da partida do nosso querido Dom Helder Camara:
Evangelho: Mateus 16, 13 - 20.
Quando escutamos o evangelho na celebração, é muito
importante que todos/as recebamos dele uma boa notícia para a nossa vida e, ao
mesmo tempo, percebamos um novo apelo de Deus para seguirmos Jesus hoje. Nessa
diálogo de Jesus com os discípulos na região estrangeira de Cesareia de Filipe,
a boa notícia é que a mesma palavra que Jesus diz a Pedro, diz a todos nós que
acolhemos sua palavra hoje: "Feliz
és tu porque não foi a carne nem o sangue que te revelaram isso, mas foi meu
Pai que está nos céus".
A quem de nós essa palavra não toca? Quem não sente que a fé que vivemos é para nós fonte de alegria e de boa notícia? Essa foi sem dúvida a força maior que fez de Dom Helder o homem feliz e otimista que ele sempre foi, mesmo em meio de todos os problemas, sofrimentos e perseguições que sofreu. Ele respirava e transpirava essa alegria da fé. Que alegria podermos dizer juntos com Pedro e juntos com Dom Helder: Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo!
Mas, isso não basta. Parece que Pedro tinha do Messias, do Cristo, uma imagem de líder vitorioso e poderoso. E Jesus queria revelar (vai ser o evangelho do próximo domingo) que ele só se mostrará plenamente Filho de Deus na cruz, na doação de sua vida como pobre e pequeno. Isso Pedro não aceitava. Ao mesmo tempo que Jesus confirma que Pedro é abençoado de Deus (bem-aventurado, és tu, Simão), ele o censura por ser filho de Jonas. Na nossa cultura, quando a gente diz que uma pessoa é filho de alguém estamos dizendo que há uma relação de parentesco de pai para filho. Na cultura de Jesus dizer que Pedro era filho de Jonas era um modo de dizer que Pedro é como Jonas. Não é que o pai de Pedro se chamava Jonas. Quer dizer que Pedro age como Jonas, o profeta, agiu. E como foi que ele agiu? Deus mandou Jonas ir a Nínive e ele fugiu para Társis. Assim, Jesus pede a Pedro e aos discípulos para irem além da sua cultura, mas eles não aceitam. No texto do evangelho de uns dois domingos atrás, aquele no qual os discípulos enfrentam a tempestade no lago, o evangelho começa dizendo que Jesus forçou, obrigou os discípulos a irem para a outra margem do lago... Por que? Porque o outro lado do lago é a terra dos pagãos, dos outros, dos estrangeiros, dos que não têm a fé deles... Agora no evangelho de hoje, Jesus está em Cesaréia de Filipe, uma cidade do norte, para fora das fronteiras do Israel de Jesus e dos discípulos onde o governador era Filipe, filho de Herodes... É novamente terra estrangeira e Jesus pergunta aos discípulos quem ele é a partir dessa inserção na cultura dos estrangeiros, dos outros.
Até hoje, muita gente de nossa Igreja tem dificuldade de
passar para o outro lado - ir até o mundo - dialogar com o diferente - Eu posso
testemunhar a vocês que o pouco que eu aprendi nesse caminho e que tento viver
hoje, aprendi com Dom Helder. No começo, eu não entendia. Parecia que ele se
preocupava mais com coisas de fora da Igreja do que com as coisas internas do
dia a dia. Ele respirava mais as preocupações do mundo do que das coisas
internas da Igreja. Agora temos um papa que propõe uma Igreja em saída. Um papa
que na carta que fez sobre a alegria do evangelho convidou todos os padres e
toda a Igreja: “Saiamos,
saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a
Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos
Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas
estradas, a uma Igreja doente pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar
às próprias seguranças”. (A Alegria do Evangelho, 49).
Nós recebemos a herança de Dom Helder que em seu tempo já
vivia e propunha isso. Até hoje, Jesus pergunta a nós o que perguntou aos
discípulos: O que vocês dizem de mim ao mundo? Que imagem vocês dão de mim?
Imaginem Jesus hoje perguntando aos congressistas que se dizem evangélicos: que
imagem vocês dão de mim às pessoas? Se Jesus entrasse agora fisicamente nessa
Igreja e perguntasse a gente aqui agora que testemunho estamos dando sobre ele
ao mundo. O que as pessoas podem pensar de Jesus vendo o nosso modo de ser? Há
pouco tempo, perguntaram ao cineasta norte-americano Woody Allen o que ele
achava de Deus. Ele respondeu: "Deus deve ser um cara bom, mas o pessoal
que o cerca, eu não recomendaria...." . De fato, quantas guerras no mundo
em nome de Deus, quanta intolerância e quanta violência em nome de Deus....
ainda hoje no mundo...
Dom Helder que era chamado o Dom da Paz. Será que é por
acaso que ele era mais admirado e compreendido pelo mundo, pelas pessoas comuns
do que no ambiente interno da própria Igreja? Será que isso também não ocorre
com o papa e com qualquer um de nós que assuma o compromisso de levar a sério
essa palavra de Jesus: vamos para o outro lado do lago... Com tempestade e
tudo...
Quando Jesus diz a Pedro: Tu és pedra e sobre essa pedra (Cefas)
construirei minha Igreja, hoje, muitos exegetas acreditam que aquele tipo de
pedra, comum naquela região do norte da Palestina era como nossa pedra sabão,
uma pedra capaz de ser moldada e que o pessoal cavava para ser abrigo e refúgio
para quem não tinha teto. Se essa interpretação é verdadeira, Jesus teria dito
para Pedro que ele deve ser como esse tipo de pedra (Cefas) que serve de abrigo
aos mais pobres, eu construirei minha Igreja para ser Igreja que acolhe e que
protege a todos. Também essa foi desde jovem a fé de Dom Helder. Que seja a
nossa. Essa eucaristia na qual partilhamos o pão e o vinho deve ser sacramento
dessa doação de nossa vida nesse caminho de uma Igreja em saída e de uma fé que
testemunhe à humanidade que o nosso Deus é amoroso e simpático. Deus é como
Jesus, só amor e bondade.