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O que fazer para sermos felizes

3o Domingo do Advento C – Lc 3, 10- 18. 

O que fazer para sermos felizes

                  Um dos grandes mistérios da vida é a capacidade de alegria das pessoas. Quem já teve a oportunidade de conhecer os países mais empobrcidos da África constata como pessoas que vivem em condições infra-humanas e enfrentam dificuldades imensas se destacam por sua capacidade de sorrir e expressar alegria e energia de vida. 

Em diversos caminhos espirituais, há métodos que ensinam as pessoas a, mesmo em meio às maiores dificuldades e até sofrimentos, cultivar a alegria como graça ou dom do Espírito em nós. 

Na liturgia latina, este 3º domingo do Advento é chamado “domingo da Alegria” (em latim: Gaudete). Este título vem do cântico de entrada do Missal Romano, tirado do verso da carta aos filipenses que, desde antigamente, a Igreja proclamava na 2ª leitura deste domingo: “Alegrai-vos no Senhor. Alegrai-vos porque o Senhor está bem perto” (Fl 4, 4). 

Na celebração de hoje, este apelo à alegria é escutado na primeira leitura, tirada do profeta Sofonias. Foi baseado nessa profecia que o evangelho de Lucas contou o anúncio a Maria. O anjo Gabriel teria usado quase as mesmas palavras que o profeta dirigia a todo o povo: Alegra-te  porque o Senhor está no meio de ti. Hoje, podemos traduzir: está em ti


O trecho do evangelho lido neste domingo (Lc 3, 10- 18) continua o capítulo 3 de Lucas, cuja leitura iniciamos no domingo passado. Não fala explicitamente de alegria. No entanto, tem como pano de fundo o mesmo motivo fundamental da alegria messiânica: o Senhor está perto. O evangelho de hoje diz que o povo vivia na expectativa (v. 15). O profeta João Batista tinha anunciado que, no deserto, onde não havia estradas, Deus abriria um caminho para conduzir o seu povo do cativeiro à libertação. Diante disso, as pessoas começam a perguntar: O que devemos fazer? Como podemos participar e responder a essa iniciativa divina? 

Na sociedade judaica do tempo de Jesus, as categorias humanas mais odiadas e discriminadas eram soldados (romanos) e cobradores de impostos (colaboracionistas). São justamente essas pessoas mais socialmente discriminadas que se abrem à mudança. Hoje ainda a reação mais correta à mensagem de João é nos perguntar “O que devemos fazer?”.

Será que, diante da realidade em que vivemos no Brasil, as pessoas que se dizem cristãs fazem essa pergunta? Será que nos preocupamos em perguntar sobre como Deus quer que colaboremos para a realização do seu projeto divino de justiça e Paz? 

No evangelho de hoje, ouvimos os critérios que o profeta João Batista propôs  afim de que o projeto divino no mundo possa se manifestar.  A resposta dada por João Batista não se refere em si à religião. Não fala em crenças. Não propõe nenhum rito. A resposta de João se fixa na questão ética comunitária e de base. É como se ele dissesse: “O que vai nos fazer sair dessa situação é o nosso compromisso em sermos pessoas corretas, vivermos a justiça e a bondade uns com os outros”. Concretamente, o profeta propõe a partilha e nos casos concretos, nos quais a realidade social favorece a exploração, a restauração da justiça a partir do direito dos mais vulneráveis. Esse é o lastro social e humano a partir do qual ocorre a vinda do Senhor, ou seja, a realização do projeto divino de justiça e de paz no mundo. 

As respostas de João vão além da cultura religiosa, mas ele acolhe as dúvidas do povo e esclarece a questão fundamental. Explica que não é o Messias prometido pelos profetas. Esclarece que o seu gesto profético de mergulhar as pessoas nas águas prepara a vinda do Cristo (consagrado de Deus) que mergulhará a humanidade na ventania e no fogo. 

Desde os antigos profetas, a tempestade e o fogo eram sinais do Julgamento de Deus que viria transformar o mundo. Todo mundo sabe o que acontece quando, em meio a um incêndio, se levanta forte ventania. O fogo fica incontrolável. Assim é o fogo da justiça divina, atiçado pela ventania do Espírito. 

Nesse evangelho, mais do que anunciar a vinda de Jesus em Belém, João Batista anuncia a vinda do reinado divino no mundo. O apelo da festa do Natal e a tradução dos votos de feliz Natal é a palavra que está por trás da resposta de João Batista às pessoas que lhe perguntam o que fazer. Ele diz: “Preparar uma humanidade nova”. 


Compreender essa festa apenas como lembrança do nascimento do menino Jesus seria uma espécie de regressão religiosa. Para uma fé cristã madura, não existe “Menino Jesus”. Jesus não volta a ser menino. Ressuscitou e está conosco e em nós. Através das palavras de João Batista, o evangelho quer reacender nas comunidades a confiança na vinda do projeto divino ao mundo. Hoje isso deve ser traduzido no testemunho de que o mundo tem jeito e temos de manter viva a chama da utopia de um mundo novo possível. 

Em nosso meio, existem expressões de fé e de espiritualidade que parecem não ter nenhuma relação com a justiça. Não ligam piedade com o mandamento divino do repartir. As Igrejas cristãs têm uma dívida histórica com a humanidade, por terem sido coniventes com impérios opressores. Desenvolveram um sistema religioso que se afastou do espírito do evangelho da justiça do reino de Deus. É urgente a conversão de cada um/uma de nós e das Igrejas nessa reconstrução de um mundo dominado pela desumanidade e pelo desvínculo. Como o papa Francisco tem afirmado: há um fracasso da civilização. Precisamos reagir a isso. 

Para que, nesse tempo de Advento, possamos nos alegrar com a proximidade de Deus e do seu reino, é preciso retomar o Evangelho que revela: o eixo da fé é o projeto de justiça e de paz que sinaliza ao mundo que a manifestação do reinado divino está próxima. Todo ser humano tem direito e mais do que direito, é chamado por Deus a ser feliz e todos somos responsáveis pela construção da felicidade comum de todos e todas. O evangelho de Jesus é boa nova de alegria e sua mensagem fundamental é que a felicidade está ao nosso alcance e está no amor solidário como proposta de vida e jeito de viver. 

“Sou feliz é na comunidade. 

É na comunidade que eu sou feliz”

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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