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O que na vida procuramos

O que, na vida,  procuramos

             Neste 2º domingo comum do ano (B), lemos a perícope do evangelho de João 1, 35 a 42 que conta o modo como Jesus encontrou os primeiros discípulos. 

Na comunidade cristã que, no final do século I, escreveu este evangelho, um desafio era a relação entre a comunidade de discípulos/as de Jesus e a de discípulos/as de João Batista. Havia tensões e coisas não claras. Este trecho do evangelho que lemos hoje foi escrito para clarear melhor esta relação entre os discípulos de João e os de Jesus. Conta que os primeiros discípulos de Jesus eram discípulos de João. Foi João que os orientou para Jesus. Eles procuraram Jesus por causa do testemunho de João Batista (No evangelho de João, o Batista não é apenas o precursor de Jesus, como é nos evangelhos sinóticos. É a testemunha e o amigo).

Aí temos duas observações importantes: 1 - o discipulado é provocado pelo testemunho. É o testemunho de João que faz com que os dois primeiros discípulos sigam Jesus. 2 - Diferentemente do modo de contar dos outros evangelistas, a nenhum destes discípulos, Jesus chama diretamente. O processo da vocação começa pelo escutar. Ouvindo João Batista falar de Jesus, os dois discípulos o seguem. Um deles fala disso ao irmão e o leva a Jesus. A fraternidade e amizade se tornam elementos da vocação. 

Quem inicia o diálogo é Jesus. O evangelho diz que este diálogo começa por um “voltar-se”. Jesus se voltou para eles. No grego, strapheis não significa só o movimento físico. Quer dizer que Jesus se concentra de modo afetivo. É movimento de intimidade, como quando, no domingo da ressurreição, Ele se volta para Maria, no jardim do sepulcro (Jo 20, 14 e 16). 

Ninguém se torna discípulo, se Jesus não se volta para ele/ela e não a põe nesta relação íntima com Ele. E Jesus conduz esse percurso a partir da questão fundamental: “O que você está procurando?” (v 38). Este verbo (zeteo: procurar) aparece 24 vezes no quarto evangelho. Será que sabemos responder a essa pergunta: - O que na vida, estamos realmente buscando? 

A sociedade na qual vivemos não nos ajuda a ter clareza sobre a resposta que podemos dar a isso. Os dois discípulos responderam mal: Onde você mora? Certamente, eles não queriam saber apenas onde Jesus morava. Queriam ficar com ele, conhecê-lo melhor. Mas, não souberam dizer isso. Só perguntaram: onde você mora? E Jesus respondeu: Venham e vejam. Descubram por si mesmos. 

E o evangelho, no qual cada palavra é bem ajustada diz que aqueles dois discípulos que vieram do grupo de João Batista foram e ficaram com ele. E aquilo os marcou tanto que o evangelho lembra até a hora em que chegaram e ficaram com Jesus. Era quatro da tarde. Mas, nunca é tarde demais. Mesmo sendo na última parte da tarde, como Mateus diria: mesmo sendo operários da undécima hora (esses são da nona), Jesus os acolhe.  

Na comunidade joanina, naquele momento do final do século I, isso soava como quando, nos dias atuais, reafirmamos que os irmãos e irmãs que buscam Jesus e se sentem cristãos, mesmo sendo ligados a outros grupos e tradições espirituais, como, por exemplo, o Candomblé e Umbanda, ou tradições indígenas, ficam sim com ele. Podem sim permanecer em Jesus. 

Com aqueles dois discípulos de João que vêm passar aquela tarde com ele, Jesus usa a mesma expressão de quando, na última ceia, afirmava aos discípulos/as: “Permanecei no meu amor”. E ainda: “Se fordes fieis ao que eu mando, permanecereis no meu amor, assim como eu fui fiel ao que o Pai mandou e permaneço no seu amor” (Jo 15, 9- 10). 

O evangelho diz que um destes dois discípulos de João Batista que ficaram com Jesus naquela tarde era André; homem de nome grego que vinha de Betsaida, cidade dominada pela cultura greco-romana. O evangelho repete mais uma vez que ele veio a Jesus a partir do testemunho de João Batista. Veio de outro grupo e o evangelho diz que ele vai chamar o seu irmão Simão. André  diz a seu irmão: “encontramos o Messias”. Em todo o evangelho, o termo Messias, em sua forma hebraica, é raro. E André usa o plural: encontramos. Referia-se ao grupo ao qual pertencia. Os discípulos de João, ainda ligados ao Judaísmo, se abrem a Jesus como o Messias de Israel. E podem continuar sendo o que são. O Cristianismo não os obriga a mudar de religião. Esta é a mesma posição do apóstolo Paulo: Quem salva é a graça e a graça salva a todos. Aos judeus, através da fé, mediada pelo caminho da aliança judaica e, portanto, dentro da lei. A quem não é judeu, pela fé, sem circuncisão, nem templo, nem lei. 

É importante que em nenhum momento, Jesus diz a estes discípulos: Segue-me. (Como aparece nos evangelhos sinóticos). Mas, a Simão, ele dá uma palavra fundamental: “Tu és Simão. De hoje em diante, te chamarás Cefas, que quer dizer pedra”. (Cefas era das pedras tipo pedra sabão que os mais pobres cavavam facilmente na Galileia para fazer abrigos para famílias sem casa. Então, Simão Pedro recebe assim essa missão de ser pessoa de acolhida e de proteção dos mais pobres. 

O grupo dos discípulos e discípulas de Jesus se forma a partir da convivência e da amizade. O quarto evangelho não conhece a distinção que é tão clara em Lucas e mesmo em Mateus e Marcos – a distinção entre discípulos/as e apóstolos/as. Na comunidade do Discípulo Amado todos são discípulos e discípulos sem distinções entre eles e de forma igualitária.  Alguém pergunte como terminou essa história? Não terminou. Continua comigo e com vocês, sempre em busca, sempre atrás de Jesus e sempre escutando dele o convite: Venham e vejam. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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