Nesse 24º domingo comum (do ano B), o evangelho lido nas comunidades (Marcos 8, 27- 35), representa exatamente o centro do texto de Marcos. Até ali, o evangelho retoma sempre a mesma pergunta Quem é Jesus. Cada cena do evangelho se concluía com essa pergunta “Quem é esse?”. Na sua primeira palavra o evangelho tinha dito que era de Jesus, filho de Deus, mas não explicou o que significava isso e nem como ele era filho de Deus. E a pergunta ia sendo feita, sem uma resposta decisiva. Quando Jesus acalma a tempestade do mar, a pergunta dos discípulos foi: “Quem é esse a quem até o mar e o vento obedecem?”. Quando ele expulsou o mal de uma pessoa, conforme o evangelho, os espíritos impuros ou as energias negativas da pessoa disseram: Sabemos quem tu és. E Jesus os proibiu de falar. Agora na cena que o evangelho mostra hoje é o próprio Jesus que pergunta e que revela algo fundamental de si para ser compreendido em sua missão e em sua natureza de “Filho de Deus”.
A cena se passa em uma região de fronteira ao norte do país, já do lado estrangeiro, em um local que antigamente era sagrado. Era próximo às fontes onde nascem o rio Jordão e havia um santuário ao deus Pan. E ali os romanos construíram um castelo e o tetrarca Filipe, filho de Herodes, tinha feito a sua cidade (Cesareia de Filipe). É naquela região, sagrada para a religião antiga e tomada pela política do poder dominador, que Jesus pergunta: O que as pessoas dizem sobre ele e depois o que os próprios discípulos dizem. A gente pode compreender esse “dizer” como falar e também se pode compreender de forma mais profunda: No meu modo de ser, o que eu digo de Jesus. Que tipo de Jesus eu apresento e testemunho.
Nesses dias, na internet, o padre Marcelo Rossi precisou explicar que era falso que ele tivesse gravado um depoimento para a campanha de Bolsonaro. Não é verdade que ele tenha feito isso. Ele não gravou para a campanha. Mas, será que ele foi vítima dessa notícia falsa porque de fato o Cristo que ele testemunha parece mais com Bolsonaro do que com Monsenhor Oscar Romero, a irmã Dorothy Stang ou algum dos nossos mártires da caminhada?
Quem é o Cristo para uma hierarquia eclesiástica que usa o nome dele para exibir poder simbólico e poder social? O que estão dizendo dele parlamentares que se dizem cristãos e usam o nome de Jesus para votar contra os trabalhadores e impor à sociedade todos os preconceitos morais que eles têm e mantêm em nome de Jesus?
Já tivemos no mundo ditaduras terríveis que se diziam católicas e matavam em nome de Jesus (Franco na Espanha, Salazar em Portugal e sem falar no próprio Hittler na Alemanha). Mas, as próprias Igrejas fizeram isso, tanto a Católica (Inquisição, Cruzadas), como algumas evangélicas com tribunais de fé... (Na Genebra calvinista e nos Estados Unidos a caça às bruxas, sem falar no extermínio dos índios na América).
Quando Jesus pergunta aos discípulos: O que vocês dizem de mim?, Pedro responde: O Messias, o Consagrado de Deus. Mas, Jesus proíbe que ele diga isso. Por que? Seria porque ele não concorda com o título ou seria porque não era estratégico afirmar publicamente aquilo naquele momento? Ele preferiria agir em segredo? Não sei responder. Simplesmente sei que ele frustrou a Pedro e os discípulos ao dizer: “Estou indo a Jerusalém para morrer na cruz e quem quiser me seguir tem de tomar esse caminho”.
Na minha vida, assumir o caminho da cruz significou mudar toda a minha forma (ingênua) de ser religioso. Tive de romper até com as imagens que eu tinha de Deus como protetor e solucionador dos problemas humanos (O Deus todo-poderoso e presente na vida). Não creio em um Deus tapa-buraco de nossas necessidades. Não creio na imagem de Jesus (Coração de Jesus tradicional), objeto do culto religioso. Respeito as pessoas que fazem isso, mas eu não creio mais nessa forma de dizer: Tu és o Cristo. Tive de aprender que o discipulado se faz no seguimento a Jerusalém e isso significa hoje para mim uma coisa que não é meu jeito de ser natural, não corresponde nem ao meu temperamento, nem à minha tendência pessoal. Assumir o conflito (tenho horror a conflito) e testemunhar o projeto de Jesus no mundo social e político, nas relações cotidianas e na trama da inserção que é viver as cruzes de cada dia do povo oprimido. Tive de me preparar melhor (era totalmente despreparado) para dar um conteúdo social e político à minha forma de crer e de testemunhar o seguimento de Jesus nas Jerusalém de hoje. E passar pelo que Jesus avisou aos discípulos: Ser rejeitado, mal visto e condenado. Para mim, só posso dizer hoje que Jesus é o Filho de Deus se deixo claro para mim e para o mundo que se existe Deus, ele não pode ser de direita, não pode votar em Bolsonaro e está inspirando e iluminando quem vota junto com os movimentos sociais e as pessoas que querem retomar um caminho do bem-viver a partir das classes trabalhadoras e de todos os marginalizados e crucificados dessa terra.