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o seguimento de Jesus rumo ao bem-viver

O seguimento radical de Jesus nos caminhos do Bem-viver

             Quando lemos o texto que o lecionário ecumênico nos propõe nesse 23º domingo comum C (Lucas 14, 25 – 33), a primeira coisa que chama a atenção é como, nessa passagem, a comunidade de Lucas recolhe palavras soltas que Jesus deve ter dito em circunstâncias diversas e junta aqui nesse contexto da ceia na casa do fariseu. Como palavras aparentemente tão duras podem ser para nós evangelho, ou seja, uma boa notícia para nossas vidas? 

Como hoje, na América Latina, ligar o Bem-viver indígena como critério de vida e o reino de Deus que Jesus testemunhou se o discipulado de Jesus parece ser um caminho tão pesado no qual o/a discípulo/a tem de renunciar até ao bem-querer das pessoas que mais ama? 

Nesse evangelho, Jesus adverte a quem quiser segui-lo que, para isso, tem de renunciar a tudo e assumir com ele a cruz. Aparentemente é estranho Jesus chamar discípulos para tomar a cruz enquanto se banqueteia na casa de um fariseu. Não poderia haver ambiente mais estranho para tal tipo de chamado. Jesus era hóspede de uma casa na qual se comia bem e durante a refeição fala em sacrifício e cruz. Talvez a relação entre essas palavras do evangelho de hoje e a ceia seja a mesma que liga a ceia da Páscoa e a cruz. Todos os evangelhos contam que, mais tarde em Jerusalém, Jesus sairá diretamente da ceia com os discípulos e discípulas para a entrega da sua vida no jardim do Getsêmani e a paixão. Então, já aqui Lucas quis ligar a ceia e o caminho para a cruz.

Mas nesse evangelho, Jesus faz esse chamado aos discípulos em um contexto no qual está falando a todo mundo (a multidão da qual Lucas fala desde o cap 12). O verso 25 diz: Muita gente o seguia. Isso significa que a Igreja não pode se separar do povão e se distanciar da humanidade. O diálogo com a humanidade e diálogo aberto e amoroso faz parte essencial da missão da Igreja. Cabe a todos nós, na nossa realidade vivê-lo, principalmente na inserção com os movimentos sociais e na luta pacífica pela justiça, paz e defesa da Terra e da Vida. Um sinal dessa relação que Jesus quer entre discípulos e povo é que essas palavras dele terminam falando do sal. Em Mateus, ele dizia aos discípulos: Vocês são o sal da terra. Aqui, diz que o sal tem de ser misturado à terra ou à comida. Se o sal fica isolado, perde o sabor e perde a finalidade para a qual existe. O discipulado não pode se desligar da inserção no mundo. 

A tradução atual dessas exigências de Jesus não é fácil. Em uma Igreja, ligada ao poder e ao prestígio social e político, o risco de perseguição não existe. Por isso, esse evangelho só podia ser interpretado como exigência de renúncia moral e rigor espiritual. No entanto, Jesus não quer atletas. Ele precisa sim de pessoas amorosas, capazes de se doar aos outros até a doação da vida, como ele próprio fez. O que ele fez foi nos advertir de que, neste contexto do mundo em que vivemos, testemunhar o projeto divino é arriscar-se. No diário de Monsenhor Oscar Romero, lemos que, em janeiro de 1980, ele fez um dia de retiro. Estava com medo de que as ameaças se cumprissem e ele fosse morto. E se perguntava se não deveria deixar o seu trabalho. Mas, como deixar de apoiar os lavradores e índios perseguidos? Como se proteger deixando-os entregues à própria sorte? Ele ficou e foi assassinado. Cinco anos depois, no Tocantins, a mesma coisa se repetiu com o nosso companheiro de pastoral da Terra, o padre Josimo Tavares. Ameaçado de morte, ele foi aconselhado a deixar aquela região perigosa. Mas, respondeu: “E os outros ameaçados, pais de família e pessoas pobres que não têm para onde ir?”Por que ele escaparia e os outros não?

É à luz desses testemunhos que podemos compreender o sentido desse texto do evangelho. Só quando a Igreja opta prioritariamente (não só preferencialmente) pelos índios, pelos negros, pelos direitos das mulheres e de todas as vítimas da sociedade é que essa palavra de Jesus ganha de novo atualidade e sentido. Quando se entra na radicalidade do testemunho do reino, isso é, no caminho da cruz,  além da gente mesmo, compromete também outras pessoas. Por isso, fica mais difícil dar o passo decisivo. Não podemos esquecer que Jesus está caminhando ao encontro da condenação à morte. Neste sentido tomar a cruz é assumir o risco da missão também na forma de viver as relações com as pessoas que a gente ama. O discípulo e discípula precisa se libertar dos laços que os/as prendem às pessoas e às coisas. Não se trata de não amar, ou de amar menos pai, mãe, filhos, irmãos. Trata-se de amar de outra forma. Amar a partir do amor de Jesus. 

Essa palavra de Jesus, dirigida à multidão, me faz pensar que esse apelo, hoje, se traduz na proposta de vários irmãos e irmãs que se têm comunicado por diversos meios sociais: formarmos uma frente única. Não apenas de esquerda ou contra o desgoverno que se abateu sobre nós. Seria uma frente pela Vida (humana e do planeta). Uma aliança pela Cidadania e na busca do Bem-viver humano e cósmico. Assim como Jesus propunha algo assim tão radical em uma palavra à multidão, esse projeto vai além das Igrejas e se expressa em propostas que fazem parte do caminho do Bem Viver: - no meio das lutas e das dores, suportadas na resistência, priorizar a Vida e os direitos cósmicos que abrangem os humanos e todos os seres vivos. 

- começar por nós mesmos, o esforço de escutar o/a outro/a e, no diálogo, ir buscando o consenso. 

- encontrar a complementariedade nas diferenças, acolhidas e valorizadas.   

No texto de Lucas, Jesus faz ainda duas comparações. A da construção iniciada e da batalha a ser enfrentada. Ambas dizem: o discípulo ou discípula não pode se comprometer sem antes se preparar. Não pode ser imprevidente. Os profetas e profetizas têm de saber bem a que se arriscam.  

Quem conhece um pouco mais a realidade latino-americana e acompanha a reorganização dos movimentos indígenas, assim como em várias regiões o fortalecimento da luta dos quilombolas e das mulheres por sua libertação não pode deixar de ver que existem profetas e profetizas, dentro e fora das comunidades eclesiais. A profecia continua se exercendo em lutas sociais como a do MST e a dos movimentos indígenas e negros, assim como também na busca da palavra divina no cotidiano da vida. 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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