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Obrigado, Pedro

Muito obrigado, Pedro!

Hoje, você completa 90 anos. O corpo está fragilizado e muito limitado pelos ataques do mal que você, franciscanamente, chama de “irmão Parkinson”. A mente, como sempre lúcida, continua o seu profetismo. Agradeço a Deus pelo fato que, desde a metade dos anos 70, o tenho como mestre. Desde que, junto com os irmãos Pedro e Filipe, cheguei como monge, em Goiás (1977), nos tornamos companheiros de caminhada na Pastoral da Terra, no amor aos índios e na luta para tornar a Igreja mais evangélica e libertadora. Os nossos contatos se intensificaram pelo fato de que, naqueles anos, várias vezes, você e a equipe da prelazia me convidaram para participar de assembleias, encontros bíblicos e penso que preguei dois ou três retiros anuais para os agentes de pastoral . Eu que ia para ajudar acabava sendo muito mais formado por vocês. Além disso, estávamos juntos na coordenação nacional da CPT e na assessoria do CIMI. Quantas vezes, viajamos juntos de ônibus de Goiânia a Salvador e ao interior de Minas. Não esqueço o seu malabarismo para ir como pobre de Goiânia a São Félix. Às vezes, tomava o ônibus noturno para São Miguel do Araguaia e lá o aviãozinho de linha que o levava a São Félix.

Uma vez,  no começo dos anos 90, chovia muito. Você vinha de uma assembleia dos bispos da região. Tinha sido uma assembleia tão tensa e tinha lhe deixado tão triste e abatido que lhe atacou uma febre e mal estar. No meio da noite, no ônibus, você se sentiu mal e pediu ao motorista para dar uma parada e desceu. O motorista achou que você ficaria lá e foi se embora com o ônibus e sua mala. Você ficou sozinho e, sem mala, nem dinheiro, às duas da madrugada, no meio da chuva e do nada de um ponto qualquer do Cerrado. Eram duas da madrugada e você andou na chuva e no frio (com febre) até encontrar um casebre onde um casal de lavradores o acolheu, lhe deu roupa enxuta e ali você passou o resto da noite. De manhã cedo, acorda com eles dois escutando o rádio e lhe ouvindo falar a palavra do evangelho. E o homem lhe explica: “Diariamente, pela manhã,  só vou para o trabalho depois de ouvir a palavra do nosso bispo”. E você hesita em lhes dizer que aquele bispo era você. Lá em São Félix, eu e todos lhe esperando sem saber o que tinha acontecido e você só chegou no avião seguinte (24 horas depois).

Já nos anos 90, estávamos juntos em Luciara, nas margens do Araguaia. Você tinha insistido em que eu fosse falar sobre a água e a defesa do rio. Estávamos hospedados no mesmo quarto da casa do diácono. Á tarde, chegam duas senhoras e contam que os maridos tinham recebido dinheiro de um latifundiário e vinham armados para, naquela noite, matar você. Você se negou a interromper o encontro. Com muita insistência, aceitou regressar a São Félix no dia seguinte de madrugada, de barco pelo rio e não pela estrada. À noite, naquele quarto, nós dois,  mediados por uma janela de madeira que bastava um chute e a janela caía. Lá fora, homens da comunidade se revezavam. Mas, enquanto você dormiu toda a noite, eu passei a noite inteira ouvindo ruídos do outro lado da janela. Hoje, tenho vergonha do meu medo.... E de como você dormia tranquilo... .

Mas, esse meu testemunho é para falar de você e não de mim. Poucos bispos que conheci atravessaram o túnel dos tempos de João Paulo II e Ratzinger, fieis a aquilo que acreditavam e com a coragem de ser testemunhas do reino, mesmo quando a hierarquia não era. Nos meados dos anos 80, quanto bem você fez, em sua missão pela Nicarágua sandinista, por El Salvador, pela América Central e ainda Cuba... Quanta dor em ver que o próprio papa não o apoiava. Alguns bispos locais pressionavam o Vaticano. E o Cardeal Sodano, secretário de Estado, o ameaçava e exigia, em nome do papa que você abandonasse aquela missão. Na ocasião, você confessava aos mais próximos: “Obedeço quando é para cumprir o evangelho, mas não quando é para me descumpri-lo e falhar com os irmãos que sofrem. Nesse caso, serei obrigado a renunciar ao ministério de bispo, mas continuarei junto deles”.

Como resumir tudo o que os Xavantes, Tapirapés e Karajás da ilha lhe devem na defesa de suas terras e suas culturas? Obrigado por ter aprendido de você esse amor reverencial que até hoje me comove, quando encontro um índio e, nele ou nela, posso adorar a figura de Jesus, meu mestre e Senhor. Você sempre uniu a sua profunda fé  orante e a certeza de que não há caminho de justiça e paz dentro dos padrões do Capitalismo e nessa farsa de Democracia que ainda temos. Sempre deu apoio total e profundo à nossa investigação teológica (da ASETT) sobre o Pluralismo Religioso e os muitos nomes de Deus.

Quantas coisas eu e tantos/as cristãos/ãs lhe devemos nesse caminho de uma espiritualidade social e política libertadora? Só podemos agradecer lhe confirmando hoje que vamos sim nos manter firmes no caminho, vamos sim, mesmo conscientes de nossa pobreza, continuar a sua profecia nesse mundo e, mesmo sem ter sua veia poética e sua profunda inteligência espiritual, vamos  lutar para permaneça sempre viva a sua chama mística e revolucionária que faz com que qualquer pessoa que o veja, sinta em você, como que exalando de sua pele, a presença viva do Espírito de Ternura que o inspira e o move. Muito obrigado, PEDRO CASALDÁLIGA, profeta da ternura revolucionária...

Abençoe o grupo da Partilha, grupo leigo, fundado por Dom Helder que, amanhã, celebrará comigo essa memória, em agradecimento a Deus pela sua vida. Abençoe também esse  seu irmão Marcelo Barros

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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