Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

Os desafios do mundo urbano

                       Esse é o tema do 14º Encontro intereclesial das comunidades eclesiais de base (Cebs) que, dessa vez, está ocorrendo em Londrina, PR . Começou na terça-feira, 23 e se concluirá amanhã, sábado 27.  O encontro está reunindo quase 3000 pessoas, gente vinda de todas as regiões do país. Além disso, conta com a participação de um bom número de bispos católicos (uns 70), de muitos padres e religiosas. E de um número pequeno mas ativo de irmãos e irmãs de Igrejas evangélicas (Luteranos, anglicanos, metodistas, batistas e pentecostais). Também se destacaram alguns irmãos e irmãs-membros de cultos afrodescendentes e um bom número de índios e índias de diversos povos indígenas do nosso país. 

                     Em muitos ambientes de Igreja, quando se ouve falar em “comunidades eclesiais de base”, mesmo se não consegue explicitar o conceito, muita gente compreende que se trata de um novo modo de ser Igreja. Em algumas regiões do Brasil, as comunidades eclesiais de base surgiram na segunda metade dos anos 60. Até então, quando se falava em Igreja, quase sempre, se pensava só na hierarquia (padres e bispos). Foi o Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII, em Roma (de 1962 a 1965), que afirmou: “A Igreja é o povo de Deus reunido em comunidade, pela ação do Espírito Santo”. Para visibilizar isso, se faz memória dos primeiros tempos do Cristianismo, quando Igreja, termo que, em grego, significa assembleia, era cada comunidade local. Ainda no século IV, Santo Agostinho afirmava: “Onde duas ou três pessoas se reúnem em nome de Jesus, ali está a Igreja”.  

Foi com a intenção de dar mais valor e visibilidade às pequenas comunidades que, a partir dos anos 60, em várias dioceses, do norte ao sul do Brasil, foram se formando as comunidades eclesiais de base. Antes, existiam capelas rurais, grupos de paróquias e confrarias de leigos. Em algumas regiões, predominavam grupos de folia e de novenas. Todos esses grupos têm seu sentido e função, mas as comunidades eclesiais de base nasceram com uma vocação própria. O DNA das Cebs não se encontra dentro da organização paroquial, nem nas devoções populares. Surgiram de dois movimentos simultâneos: o primeiro aconteceu vindo de muitos cristãos, pobres e trabalhadores, engajados nas lutas pelas transformação do mundo que se identificaram como membros da Igreja e começaram a aprofundar essa identidade cristã. O outro, vindo de um encontro a esse, foi que a própria Igreja sentiu o chamado divino a se inserir mais na vida dos empobrecidos e a ser sinal do amor divino na caminhada de libertação dos oprimidos. Talvez alguém conteste que a participação ativa de cristãos nas lutas sociais pela transformação do mundo já vinha de décadas anteriores. É certo. No entanto, a novidade dos anos 60 foi que esses irmãos e irmãs quiseram participar dos movimentos e lutas sociais em nome de sua fé e como membros da Igreja. Ao mesmo tempo, cada vez mais religiosos/as, assim como padres e bispos, passaram a compreender que os pobres não podem ser apenas objeto da caridade. Devem ser sujeitos do seu próprio caminho de libertação. Por uma exigência do próprio evangelho, devem estar no centro da vida da Igreja. Jesus deixou bem claro: “O que fizerdes a um desses irmãos mais pequeninos, é a mim que fazeis”. A vocação própria das comunidades eclesiais de base é ligar a fé cristã com as lutas sociais. Um elemento importante para fortalecer o caminho das Cebs foi a leitura comunitária e o estudo da Bíblia, feito em círculos bíblicos. Ao unir a fé com a vida concreta, os grupos descobrem uma Palavra de Deus para animar suas lutas e o compromisso de transformar o mundo. Desde o início e até hoje, os nomes variam em cada região. Em alguns lugares como Goiás se chamaram “grupos do Evangelho”. Em outros, eram “comunidades da Palavra”. Em Recife, animados, então, por Dom Helder Camara, os grupos de base formaram o movimento Encontro de Irmãos. Em muitos casos, esses grupos de base reúnem irmãos e irmãs de quaisquer Igrejas que desejem se juntar na caminhada por um mundo mais justo e fraterno. Por isso, as Cebs optam por ser comunidades eclesiais, mas não eclesiásticas.

O fato de que até nos meados dos anos 80, o Brasil ainda sofria a ditadura militar e os movimentos sociais sofriam dura repressão exigiu dos membros das Cebs, engajados na caminhada libertadora, coragem e determinação. Muitos sofreram perseguições e muitos irmãos e irmãs deram a vida pela causa do evangelho e pela justiça querida por Deus no mundo. A partir dos anos 80,  a repressão do governo cessou, mas as dificuldades passaram a vir de certas autoridades eclesiásticas que se sentiam representar o Vaticano ao rejeitar o jeito de ser Igreja e de viver a fé, representado pelas Cebs. Os irmãos e irmãs que participam dessa caminhada sentiram mais dificuldades de diálogo com suas próprias dioceses e paróquias. Algumas comunidades foram transformadas em grupos paroquiais iguais a qualquer capela do interior. Mesmo com o apoio dos bispos latino-americanos, em Aparecida (2007) e mesmo com a aprovação do papa Francisco, as Cebs ainda não parecem contar com o apoio de muitos bispos e padres, que acreditam em outro modelo de Igreja, mais hierárquico e exclusivamente voltado ao âmbito religioso.

  O 14º encontro em Londrina celebra a resistência evangélica das comunidades e quer aprofundar o desafio da cultura e da realidade urbanas para as comunidades, quase sempre, situadas nas periferias, em ambientes inseguros e, muitas vezes, violentos. As pessoas que vivem nas periferias sofrem, em primeiro lugar, o aumento do desemprego, as condições cada dia mais difíceis da sobrevivência, a precariedade das condições de acesso à saúde, à educação, ao transporte público, às manifestações culturais e ao lazer. Nesse contexto, as Cebs têm de se tornarem verdadeiros laboratórios de solidariedade e de luta em comum pelos direitos dos pobres e pelo acesso à moradia, à água e ao conhecimento, bens que deveriam ser garantidos para toda humanidade.

Nesse encontro, as Cebs vão  aprofundar os  grandes desafios do mundo atual e a missão das igrejas cristãs em relação a eles. Os/as participantes desse encontro se dão conta de que o Brasil vive um momento especial político de golpe dentro do golpe. Pessoas de vários partidos políticos estão de acordo sobre a ilegalidade do julgamento ocorrido que apressou uma condenação ao presidente Lula para impedí-lo de ser candidato no pleito de 2018. Em um gesto de um momento de silêncio, todos/as os/as participantes do encontro manifestaram o seu protesto contra esse ato de desrespeito à democracia. E se comprometeram a lutarmos juntos pelo restabelecimento e fortalecimento do processo democrático. 

A preocupação maior de todos é criarmos, em nossas cidades, uma civilização ecologicamente sustentável e baseada na paz, na justiça e na comunhão com a Terra, a Água e toda a natureza que nos envolve em uma verdadeira comunidade da vida. A partir dessa missão, é preciso renovar o modo de expressar a fé e de convivermos como irmãos e irmãs de toda humanidade. Isso faz os cristãos superarem uma concepção de Igreja voltada sobre si mesma para o caminho proposto por Jesus. Há 50 anos, em Medellín, na Colômbia, os bispos latino-americanos afirmaram: "“Que se apresente cada vez mais nítido, na América Latina, o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida na libertação de todo o ser humano e de toda a humanidade” (Medellin. 5, 15) 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações