Palavra de Natal
Diante desses textos tão bonitos e dessas histórias que embalaram nossas vidas e nossas histórias, que palavra poderia resumir a boa notícia que, na noite de Natal, Deus nos dá?
Sobre o Natal, o evangelho de Lucas escreveu um conto poético e teológico. Os pastores no campo durante a noite, o anúncio dos anjos, a ida dos pastores a Belém, o fato de que Maria e José mesmo na precariedade de uma estrebaria ou de uma gruta os recebem, tudo isso expressa admiração como sinal de adoração e reconhecimento de algo de novo que se estabelece na terra. Na sociedade daquele tempo, em Israel, os pastores eram considerados pessoas fora da lei e bandidos a serem evitados. Deus os escolheu para anunciar a eles o nascimento de Jesus. A simplicidade e precariedade que eles encontram em Belém são sinais da ternura como algo divino. De fato, no momento em que Deus une céu e terra na gruta de Belém e revela que está presente na pessoa de uma criancinha pobre, ele se manifesta terno. Talvez a palavra mais indicada para meditarmos neste Natal de 2021 seja a ternura. O Natal é a revolução da ternura.
O que é realmente a ternura? Dom Pedro Casaldáliga dizia que a poesia na relação humana se alimenta da ternura e que a ternura entre os povos e grupos humanos se chama solidariedade. No Evangelho, a ternura é o amor gratuito e carinhoso que cria amor onde não havia antes amor. Em geral, alguém crescido em um ambiente sem amor, pode se tornar duro por essa falta de amor. A ternura divina quebra essa rigidez e cria um amor privilegiado e especial (ágape) onde antes só havia aridez.
No plano da vida cotidiana, todo mundo sabe o que é um gesto ou atitude de ternura. Em uma escola, a professora perguntou aos alunos o que é a ternura. Um menino respondeu: “Se eu estou com fome e alguém me dá um pão, isso é um ato de bondade. Se a pessoa pega o pão e passa nele uma camada de geleia ou marmelada, é um ato de ternura”. Isso significa que a bondade pode ficar no terreno do necessário. A ternura se move no campo da gratuidade, daquilo que seria inesperado. É o olhar da mãe sobre o filho pequeno.
Todos nós temos capacidade de ternura e temos demonstrações de ternura. Até quem já abafou muito essa capacidade por uma máscara de arrogância, se comove diante de um passarinho ferido ou de uma musica romântica. Mas, no Natal, somos chamados a colocar a ternura como princípio e critério de toda a nossa vida. O Natal é a revolução da ternura porque não propõe somente que a gente deixe a ternura se expressar quando ela é natural. Propõe que a gente crie uma cultura da ternura, uma educação para a ternura social, comunitária, política, mundial.
A ternura diante de uma criança recém-nascida é natural. No entanto, como nem sempre a vida nos traz esses momentos, uma pergunta que Deus nos faz nesse Natal é como anda a nossa flexibilidade para uma ternura mais existencial e permanente como caminho de vida. Será que ultimamente temos nos tornado mais rígidos, mais programados e já não damos mais lugar à ternura? Como tem sido nos últimos dias, nos últimos meses? Quantas camadas de pó estão enrijecendo nossa sensibilidade para a ternura?
Se a gente tivesse uma cultura da ternura, quantos problemas o mundo vive hoje seria diferente? O clima de violência urbana em nossas cidades, as desigualdades sociais que não diminuem no mundo, a destruição da natureza.... são sinais de um mundo sem justiça, mas também sem ternura. A ternura não faz a gente perder o senso crítico, não faz a gente ser de uma ingenuidade infantil.
Em um de seus discursos no seu primeiro Natal como papa (2013), o papa Francisco disse que as pessoas não deviam ter medo da ternura. Parece estranho alguém ter medo da ternura. Por que ter medo da ternura? Por que fomos induzidos a pensar que ternura é demonstração de fraqueza ou de carência. Em um mundo no qual o importante é a força, é o poder, a ternura parece uma moeda fora do mercado. Ao contrário, um revolucionário como Che Guevara propunha: “Temos de endurecer, sem perder a ternura!”.
Se essa palavra Ternura tivesse sido reconhecida pela Igreja não como fraqueza, mas como força divina, como seria a Igreja? Estaria ligada aos poderosos do mundo? Algum bispo ou padre aceitaria abençoar exércitos ou armas? Sentar-se-ia em banquetes vendo os pobres vivendo de esmolas?
Alguma coisa começa a mudar quando vemos o papa Francisco escrever a ternura sobre o umbral da sua porta e ser capaz de recomendar ternura até à cúria romana. Mas, agora, toca a nós. Hoje, somos chamados a crer na discreta e doce revolução da ternura, a descobrir que essa palavra que começa não por mim, mas por ti. Te--- ternura.... é o caminho que revela o amor de Deus em nós e que nos faz caminhar cada vez mais para ser divinos como Jesus, sinal e imagem da Ternura do Pai.