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Para preparar a Vigília Pascal em nossas vidas.

Para preparar o coração para a Vigília Pascal

Sem a Vigília do Senhor, não podemos viver”. 

 Queridas irmãs e irmãos, 

 Que alegria e, ao mesmo tempo, que responsabilidade poder viver mais uma vez o Sábado Santo e a Vigília Pascal para fazer desta o sacramento de uma Páscoa nova neste momento que, hoje, vivemos. 

Conforme um escrito do século III, a comunidade cristã de Abilene, no norte da África, recebeu do imperador Diocleciano um documento no qual o imperador afirmava: “Pouparei a vida de vocês e lhes perdoarei o crime de ser cristãos se vocês renunciarem a se reunir no sábado à noite para a vigília pascal”. A comunidade conversou e todos decidiram escrever juntos a resposta: “Sem a Vigília do Senhor, nós não podemos viver!”. 

Sem cair em nenhum ritualismo que substitua a primazia do serviço do amor por qualquer culto, como gostaria que, hoje, a mística com a qual vivemos a vigília pascal nos permitisse sentir verdadeiramente isso: essa noite é sacramento de toda a nossa vida cristã. Não dá para viver a alegria da fé, sem poder celebrar a vigília pascal. Ela é, como chamava Santo Agostinho: “a mãe de todas as vigílias da Igreja”. Só que ela não nos pertence. Mesmo se, em datas diferentes, celebramos a Páscoa em comum com os irmãos e irmãs do Judaísmo. Até hoje, as comunidades judaicas chamam a Páscoa: “Pezah zeman herutenu”: “a estação da nossa libertação”. 

As comunidades judaicas às quais nos referimos são aquelas que vivem a espiritualidade do Êxodo libertador e da aliança de Vida para todos. Nada têm a ver com o Estado de Israel, nem com a ideologia do povo eleito que trata o povo palestino como se esse não merecesse viver. A Páscoa é originalmente festa de libertação do povo hebreu – povo escravizado – que hoje é o povo palestino e muitos povos da Terra. 

É verdade que celebramos a ressurreição de Jesus e não ainda a sua parusia (manifestação de sua vinda). No entanto, cada celebração pascal pode tomar o caráter de uma longa vigília que possa acender luzes, mesmo no meio da noite. Assim, poderá, mesmo ainda no escuro, antecipar algo da madrugada do dia que esperamos.  


Certamente, nenhuma palavra ou explicação poderá expressar a beleza e o encanto que a noite pascal contém. A Vigília Pascal da noite desse sábado ou madrugada do domingo continua sendo, sim, “a mãe de todas as vigílias da Igreja”. Mesmo se, em nossos dias, não dependemos mais dessa vigília para batizar os novos irmãos e irmãs, como era antigamente, essa noite continua sendo a fonte, a raiz de todas as nossas celebrações. Como a Páscoa é a primeira das festas. É Páscoa porque chegou a primeira lua cheia da nova estação (a primavera no hemisfério norte). Assim como essa lua é uma nova lua cheia, esta Páscoa também é uma Páscoa nova. 

Como primeiro rito desta vigília pascal diferente, podemos retomar a prece que consiste na respiração consciente. Como sabemos, o sopro é instrumento da Divina Ruah, o Espírito Santo. Celebremos o vento, lembremos da música do Dorival Caymmi e repitamos uns para os outros: - Vamos chamar o vento, vamos chamar o vento... Que esta seja uma vigília profética que invoque o vento. Uma ventania forte que entre pelas janelas do mundo e desarrume tudo o que a sociedade desumanizada pensa ter organizado. Uma ventania que nos tire de nossos acomodamentos e nos jogue no descampado do risco. Vamos reinventar o louvor do fogo e da água em comunhão com os povos ancestrais que pedem permissão aos ancestrais ou aos encantados para a comunhão com a mata, o rio, a fonte ou para acender um fogo...

 É importante acolher a boa nova da Páscoa, dada pelo amor divino, na resistência da Mãe Terra, das águas e da natureza, assim como de tantos irmãos e irmãs que teimam em se manter vivos e de pé. Eles e elas  não somente resistem, mas desafiam a morte se arriscando em ações e gestos de solidariedade às pessoas mais vulneráveis e às famílias mais carentes.


É preciso acolher a Páscoa principalmente no alimento da Palavra de Deus. Meditamos nas muitas páscoas (passagens de Deus) em nossas vidas e na vida do povo. Escutemos ou leiamos de novo a passagem simbólica da saída dos hebreus do Egito e da travessia do Mar Vermelho. E nos comprometamos a retomar o nosso primeiro amor. Na fé bíblica, o primeiro amor ao qual Deus nos chama é a espiritualidade do Êxodo, ou seja, a opção espiritual pela caminhada da libertação. 

Nesta noite, todos/as nós somos testemunhas dos prodígios divinos. Sentimo-nos, sob a condução do Espírito, ventania que soprou e abriu o mar para os hebreus passarem, assim como na madrugada do domingo, removeu a pedra do sepulcro vazio de Jesus. É esse mesmo Espírito  que nos faz retomar a caminhada das mulheres que, antes do sol nascer, foram ao túmulo e o encontraram vazio e receberam de Deus o encargo de ser testemunhas da ressurreição.

Atualmente, muitos mensageiros e mensageiras de Deus (anjos e anjas) engravidam o mundo de ressurreição. Cuidam dos doentes, organizam o serviço aos mais carentes  e às pessoas que estão na rua. Também são anjos da ressurreição, jovens que buscam e ensaiam novos estilos de vida. Não é fácil em meio aos escombros provocados pelo Capitalismo assassino, organizar novo projeto de vida e colocar esse projeto no rumo do testemunho do Cristo ressuscitado. 

Na Argentina, nos tempos da ditadura militar das mais sangrentas da América Latina,  León Gieco compôs e Mercedes Sosa imortalizou com sua voz uma canção que Renato Teixeira traduziu no Brasil: Como la cigarra. Nela escutamos a voz de cada um de nós, mas o eu dessa canção é principalmente o sujeito coletivo, protagonista de todas as resistências: povos indígenas, comunidades afrodescendentes, minorias sexuais e étnicas, todos que podem cantar assim:

 https://youtu.be/XFs-KTxEjcw?si=dvLstyIhF9KgQ6fW

 “Tantas vezes me mataram, Tantas vezes eu morri

Mas agora estou aqui, Ressuscitando

Agradeço ao meu destino, E a essa mão com um punhal

Porque me matou tão mal E eu segui cantando

Cantando ao sol, Como uma cigarra

Depois de um ano embaixo da terra

Igual a um sobrevivente, Regressando da guerra

Tantas vezes me afastaram, Tantas reapareci

E por tudo que vivi, vivi chorando

Mas depois de tanto pranto, Eu aos poucos percebi

Que o meu sonho não tem dono, E segui cantando

Cantando ao sol, Como uma cigarra

Depois de um ano embaixo da terra

Igual a um sobrevivente, Regressando da guerra

Tantas vezes te mataram, Tantas ressuscitarás

Tantas noites passarás, Desesperando

Mas na hora do naufrágio, Na hora da escuridão

Alguém te resgatará, Para ir cantando

Cantando ao sol, Como uma cigarra

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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