Meditação para preparar o Tríduo Pascal
Nesta quinta-feira santa, entramos na celebração do Tríduo Pascal, o centro de todas as celebrações do ano. Nos tempos antigos, os pais da Igreja chamavam esses dias: as celebrações pascais. A quinta-feira santa é considerada A Páscoa da Ceia, memória da noite em que, conforme a tradição da Igreja, Jesus tomou sua última ceia com seus discípulos e discípulas e nos deu a eucaristia como sacramento da aliança nova.
Na sexta-feira, celebramos a Páscoa da Cruz. O grande desafio atual é reler e reinterpretar a fé e o evangelho da Paixão não mais em uma linha sacrificial e sim como testemunho (martírio) do Cristo que, pela doação de sua vida, renovou o mundo e a todas as pessoas que se incorporam à sua doação.
Depois da sexta-feira santa, celebramos o grande sábado como dia de espera. Antigamente, se chamava sábado de aleluia porque a liturgia romana antecipava já para amanhã do sábado a vigília que desde a década de 1950, portanto, antes mesmo do Concílio Vaticano II, a Liturgia já restaurou e colocou na noite do sábado para o domingo. Como, no século IV, afirmava Santo Agostinho, é a mãe de todas as vigílias da Igreja, o sacramento por excelência de nossa fé: a Páscoa da ressurreição.
Preparar essa Páscoa é em primeiro lugar preparar e dispor a sala interior do meu ser. Como aquela sala que é interior a uma casa de família e que, ao que tudo indica, depois da ceia do Senhor, continuou a ser uma sala de uso cotidiano da família, agora, de certa forma transformado em lugar sagrado e que expressa a profunda intimidade com o Mistério Divino.
Será que isso indica que Jesus gostaria que nossas eucaristias fossem assim, como era nas primeiras comunidades cristãs, nas casas e de forma que não se separassem da vida cotidiana? Por que o evangelho colocou a palavra de Jesus sobre a traição de Judas e sobre a negação de Pedro no contexto da ceia? Será que está aludindo que isso (a traição ao projeto maior de Jesus) ocorre também conosco na Igreja, pelo modo de celebrar e de viver esse mistério? São questões que devem servir para a nossa reflexão e nosso modo de agir.
Os evangelhos começam e encerram o relato da eucaristia com a “entrega”. Entrega da vida de Jesus, entrega feita por ele de si mesmo, mas também entrega que Judas praticou ao traí-lo... E a liturgia repete: Na noite em que foi entregue... Será que pela nossa forma de celebrar, temos alguma coisa a ver com essa entrega, que é a tradição da fé, mas às vezes, pode se tornar a traição da fé, como o evangelho diz a respeito de Judas?
Assim como Jesus fez com Pedro ao advertir: Antes que o galo cante, você me negará três vezes.... , será que o galo não canta também nas nossas eucaristias? Será que os padres de hoje são capazes de ouvir o galo que canta para nos advertir a respeito das nossas pequenas ou grandes traições? Ao nos advertir do pecado do clericalismo que atinge aos padres mas também a muita gente no laicato, o papa Francisco é um “galo” que canta e não tem sido escutado
Ainda, será que a proposta da Sinodalidade como forma de ser da Igreja (uma Igreja verdadeiramente eucarística no sentido de comunhão e de encontro tem alguma chance de ser aceita por padres que procuram e fazem questão dos primeiros lugares no culto, que parecem dar prioridade a vestes suntuosas, franjas, babados e fios de ouro, por jovens seminaristas e tantos leigos e leigas que gostam de celebrações ritualistas, autocentradas, autorreferenciais, distantes da realidade do outro/a e tendo por figura central o próprio clero?
O homem anônimo que abriu a sala superior de sua casa para Jesus celebrar a Páscoa a dispôs para "acolher"... Receber gente que ele nunca viu na vida, peregrinos que devem ter chegado sujos dos caminhos desde a Galileia, provavelmente as pesoas mais humildes daquela sociedade. Deste modo, a primeira eucaristia foi marcada pela partilha e as Igrejas primeiras a chamaram partilha do pão. Partilha vivida na tensão da anunciada prisão de Jesus e no anúncio de uma entrega, doação que é de todo o ser (o meu corpo) e da sua intimidade (o meu sangue).
Quanto mais conseguirmos ser/estar em profundidade na interioridade do amor e da intimidade com Deus, mais seremos revolucionários/as como Jesus, na doação da vida e na radicalidade do anúncio de um reino divino que transforma todas as estruturas do mundo. É nisso que cremos e é isso que queremos testemunhar. Pela força do Espírito.