Para que nossa oração se torne VIDA e a vida se torne Oração
O evangelho lido nesse domingo (17º comum do ano C) pelas comunidades (católicas, anglicanas, luteranas e de outras Igrejas históricas) nos conduz à continuidade da leitura de Lucas. Dessa vez, é novo momento ou dimensão da grande peregrinação de Jesus para a sua Páscoa em Jerusalém (Lc 11, 1 – 13). Ao situar esse diálogo entre Jesus e os discípulos no contexto da caminhada pascal para Jerusalém, na qual Jesus vai formando o seu grupo, o evangelho deixa claro que a oração faz parte essencial da missão. No capítulo 10, aprendemos que a missão comporta o ir de dois em dois às aldeias e povoados. Vimos que a missão consiste em testemunhar e anunciar que a realização do projeto divino no mundo (o reinado divino) está próximo de acontecer. Na parábola do samaritano, Jesus mostra que esse testemunho do reino começa e culmina na solidariedade como forma de viver e depois revela que a acolhida (ele foi acolhido por Marta e Maria) é essencial à missão. Agora o mesmo evangelho nos diz que, depois de verem Jesus em oração, os discípulos e discípulas que o acompanhavam lhe pedem uma coisa importante mas talvez a mais difícil que alguém pode pedir a outro: ensina-nos a orar.
Quem de nós não gostaria hoje mesmo de pedir a Jesus: ensina-me a orar. Certamente, hoje, a resposta de Jesus para nós seria muito diferente da que ele deu aos discípulos naquela ocasião. Ele os ensinou a orar a partir da cultura e do jeito de viver a fé deles.Para nós, hoje, a resposta que ele deu aos discípulos pode conter elementos que nos ajudem, mas ao pé da letra não nos serve muito. O Pai Nosso é uma oração que amamos e consideramos atual, mesmo se a usamos na versão dada por Mateus (mais longa e explícita). Mas, mesmo o Pai Nosso, será que compreendemos bem? Dizemos Pai nosso que estás nos céus. Que sentido tem hoje chamar Deus de Paie afirmar que ele está nos céus? Que céus? O firmamento? Há quase 50 anos, quando Gargarin voltou de sua primeira viagem espacial declarou que não tinha encontrado Deus por lá. Jesus falou em céusno sentido do reino de Deus, então não é lá em cima nem é exatamente um local. Hoje, falamos de Abba, Paizinho para exprimir que, se Deus é Amor, precisamos libertá-lo e libertar esse modo de falar dele de qualquer ranço patriarcal.
Seja como for acolhemos e mantemos como tesouro de nossa vida a oração do Pai Nosso. Mas, e essa parábola de Jesus que compara a oração com a importunação de um amigo que acorda outro no meio da noite para atendê-lo ou ajuda-lo. E diz que se o amigo não quiser atender por amizade, acabará atendendo ao menos para se livrar do outro que não deixa de pedir e chamar. Deus é assim? Atende a gente para não se ver importunado?
A parábola não é sobre Deus. É sobre o valor de uma oração insistente. No final, ele conclui: Se vocês não dariam pedra a um filho que pede pão, quanto mais Deus... Ele nunca deixará de dar o Espírito Santo a quem o pedir... Então, Deus é um pai ou mãe cheio/a de ternura e a oração de acordo com a vontade divina é pedir o Espírito de Deus em nós...
A oração não é um problema de palavras. Nos tempos do tráfico de negros na África, muitos dos navios negreiros tinha um padre capelão que celebrava missa para que Deus protegesse o navio durante a travessia do Atlântico e assim os sequestradores pudessem chegar sãos e salvos e com sua carga salva para ser vendida e dar bom dinheiro... Atualmente, os exércitos continuam com capelães militares que abençoam homens e armas que partem para os combates...
No segundo turno da eleição presidencial (outubro de 2018), não poucos padres concluíram a missa daquele domingo pedindo a Deus a vitória da extrema direita e saindo da missa foram às ruas pedir votos para Bolsonaro. De que lado, Deus estava? Quantos não viram na vitória do ódio o sinal de que Deus atendeu suas orações?
Nesse domingo passado, em Belo Horizonte, a televisão mostrou uns 200 fieis católicos em frente à Igreja de Nossa Senhora de Lourdes em Belo Horizonte, rezando fervorosamente o terço como reparação à Nossa Senhora. Escolheram aquele lugar, próximos de onde um grupo de travestis iria apresentar sua peça teatral (Nossa Senhora dos Travestis) e o arcebispo (atual presidente da CNBB) proibiu e se juntou ao prefeito para cancelar o evento.
Será que a oração é isso? Como compreender a oração de dois times de futebol que entram em campo e ambos rezam para vencer? Deus tem alguma coisa a ver com isso? E no caso de ter, vai favorecer a quem?
Já desde os tempos do nazismo, o pastor Dietrich Bonhoeffer nos adverte contra a imagem de um Deus tapa-buraco de nossas necessidades. E portanto, é preciso nos libertar de uma concepção mágica da oração. No passado, pessoas piedosas falavam de “oração forte” e até poucos tempos católicos faziam “correntes de oração” (reze, tire 40 cópias e espalhe...).
No evangelho, Jesus ensinou: “Não pensem que Deus os escuta pela força de suas palavras. Quando orares, entra no quarto íntimo do teu coração e o Pai que te conhece totalmente te escutará” (Mt 6).
Se o problema da oração não é o seu conteúdo em termos de palavras e nem em si a atitude da pessoa que reza (se ora de joelhos ou em pé), qual então será? Para Jesus, certamente, é a raiz, ou seja, a matriz a partir da qual a oração é vivida. O problema fundamental é se a raiz ou a matriz da oração é o amor solidário, a compaixão e, portanto, a sintonia com o projeto de Deus para nós e para o mundo. Bonhoeffer explicava esse evangelho dizendo: “Deus nem sempre atende ao que pedimos, mas é sempre fiel às suas promessas”.
Então, o fundamental é nos colocarmos em sintonia com o projeto divino, chamar Deus de Pai com a consciência de sermos filhos/as e portanto irmãos/ãs uns dos outros e vivermos a oração como ato de amor e não como magia feita como despacho contra alguém ou algum grupo humano. Se a nossa oração for entrar em sintonia com o projeto divino e pedir o Espírito de Deus para sermos testemunhas do amor e da ternura divina no mundo, então, sim, nossa oração será sempre profecia porque, como disse Jesus, não se trata de dizer: Senhor, Senhor, mas de fazer a vontade do Pai...