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Para que possamos transfigurar a nossa fé.

                 Festa da Transfiguração de Jesus:    Mateus 17, 1- 9

                                             Para que possamos transfigurar a nossa fé.

    Entre todos os episódios da vida de Jesus narrados pelos evangelhos, a Transfiguração é dos mais bonitos e tocantes. Em si mesma, é cena de pura beleza: Jesus envolto de luz, com as figuras de Moisés e Elias ao seu lado e a voz do Pai que se faz ouvir e revela todo o seu amor e carinho por Jesus, como Filho bem-amado.  Quem de nós não gostaria de ser como Pedro, Tiago e João, os três discípulos aos quais Jesus chamou para subir com ele a montanha e ser testemunha dessa cena maravilhosa? 

 Pouco importa saber se essa cena é fato histórico ou se é uma visão antecipada do Cristo Ressuscitado que as comunidades dos evangelhos transpuseram para o momento no qual ele anunciou a sua morte. De fato, Ele precisava fortalecer a fé dos discípulos diante do imenso escândalo que seria o aparente fracasso de sua missão,  interrompida por aquele tipo de  morte terrível. A cruz era o castigo que os romanos costumavam dar aos escravos rebeldes. Eles os crucificavam nas estradas e encruzilhadas do império.  

  

Conforme o evangelho de Mateus, Jesus tinha acabado de constatar que a sua missão na Galileia havia fracassado e ele era rejeitado pelo pessoal das cidades. Entre os próprios discípulos, ninguém compreende nem acolhe o seu projeto. Jesus pergunta aos discípulos: O que o povo diz de mim? E vocês mesmos, para vocês quem sou eu? Jesus constata que os próprios discípulos continuam presos a uma perspectiva de messianismo judaico político que ele, Jesus, não aceita e quer superar. Por isso, Ele proíbe aos discípulos de dizerem que ele é o Messias. O seu projeto não é restabelecer o reinado judaico de Salomão ou tomar o poder do império romano para ser imperador no mesmo estilo. A sua proposta é uma libertação que parta dos mais frágeis, dos pequeninos do mundo e seja realizada a partir de uma revolução do amor e da não violência. Ele, Jesus, sabe que dizer isso aos discípulos, ou mesmo hoje nas Igrejas cristãs, é como falar alemão para quem só entende português. 

Então, Mateus conta que seis dias depois (não por acaso, no sétimo dia), Jesus toma consigo os três discípulos mais ligados a ele, mas que também eram os mais claramente identificados com uma Igreja de cultura judaica. Pedro, Tiago e João eram os mais apegados a uma esperança messiânica de tipo popular. Jesus sobe com eles à montanha. E ali na montanha, como antigamente, Moisés subiu e escutou a voz divina, naquela nova montanha, o próprio Deus dá a sua resposta ao que Jesus tinha antes perguntado ao grupo dos discípulos: Para vocês, quem sou eu? O centro dessa cena é o próprio Deus afirmar: "Este é o meu Filho Amado. Nele, está o meu pleno agrado. Ele é o meu Filho predileto. Escutem-no". 


Na transfiguração,  é aquele Jesus que se revela a eles como pobre, impotente e candidato a morrer na cruz que se mostra confirmado pela voz do Pai e pela presença de Moisés e Elias. Moisés e Elias também foram profetas que sofreram rejeição e se sentiram fracassados. No livro do Êxodo, a Bíblia conta que, ao ver o povo adorar o bezerro de ouro, Moisés quebrou as tábuas da lei e voltou ao alto do monte para se queixar com Deus (Ex 32). No 1o livro dos Reis, conta que o profeta Elias, fugindo da rainha que o persegue, isolado no deserto, se sente impotente e pede a Deus que retire a sua vida. São esses dois que viveram a experiência de profetas fracassados que aparecem, agora, junto com Jesus. 

Essa é a experiência da profecia e do projeto divino: transfigurar em força nova o que para o mundo é fracasso e vergonha. E, para Jesus, essa revelação nova vem na intimidade. De fato, quanto mais importantes nos sentimos, menos capazes somos de abrir nossa intimidade com outra pessoa e revelar algo em nós que preferimos esconder. Quanto mais simples e pequenos nos sentimos, mais se torna possível abrir essa intimidade. 

Os discípulos não percebem isso e continuam não entendendo.  Ainda estão aprisionados à cultura religiosa. É nessa perspectiva que Pedro propõe construir três tendas, como já era costume na festa judaica das Tendas. Queria ficar ali no monte em uma espécie de êxtase carismático. Não lhes importavam os outros do grupo lá embaixo em conflito com os religiosos e incapazes de curar. 

Jesus os levou para o monte, afim de lhes revelar qual era o projeto divino. Que carinho e cuidado com seus amigos mais íntimos. Ali, aos três discípulos renitentes e teimosos em permanecer em uma religião ligada a milagres e ao poder, Deus declara: Este é o meu Filho amado. Escutem-no. E pronto. Assim, Deus confirma e revalida a palavra que Jesus tinha dito sobre o caminho da cruz como sendo o único caminho necessário de fé e de missão que ele aceita viver.


O Cristianismo tradicional interpretou essa decisão de ir a Jerusalém para enfrentar a cruz no sentido sacrificial. Como se Jesus precisasse morrer para cumprir um sacrifício oferecido a Deus. Quem interpreta a fé dessa forma não vai além da religião tradicional. Simplesmente, substitui o Judaísmo rabínico do templo de Jerusalém e da sinagoga pelo Cristianismo das catedrais e do Direito Canônico. A transfiguração de Jesus propõe outro caminho de fé. Não esse da religião sacrificial e cultual e sim o da profecia a partir do serviço humilde e da doação inserida. Que essa celebração da Transfiguração de Jesus nos ajude a transfigurar a nossa fé para vivermos a profecia de Jesus no testemunho do reino de Deus como vida para todos/as e como reinado da Vida e do Amor. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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