Nesse 4º domingo da Quaresma (ano C), somos convidados/as a meditar nas parábolas de Jesus sobre a misericórdia divina (Lc 15, 1 – 3 e 11 - 32). Conforme este evangelho, tudo começa por uma acusação que os religiosos (escribas e fariseus) fazem a Jesus. Acusam Jesus de viver no meio de gente com a qual, conforme os critérios religiosos, ele não deveria conviver. Pior ainda: Jesus chega a participar da mesma mesa que essas pessoas consideradas de má vida.
Nas culturas
antigas, as refeições eram os momentos sociais mais importantes, através dos
quais ficava claro quem era quem e de que lado as pessoas estavam. Comer juntos
era um ato de profunda identificação entre as pessoas que partilhavam a mesa. Nesse
contexto, comer publicamente com pecadores e publicamos era verdadeiro
escândalo. Jesus fazia isso. Para os religiosos, essa conduta de Jesus era escandalosa e inaceitável.
Significava trair os valores da tradição religiosa. Jesus justifica o seu
comportamento diferente e estranho, afirmando claramente: o amor de Deus é
assim! Eu faço isso porque é assim que Deus se coloca: junto com os pequenos e
marginalizados.
Para explicar
isso aos religiosos escandalizados com o seu comportamento considerado imoral, Jesus
conta três parábolas:
1º - a do
pastor que deixa as 99 ovelhas no abrigo e sai em busca da ovelha perdida,
2º - a da
mulher que procura a moeda perdida até encontra-la.
3º - Finalmente
a do pai misericordioso que age como mãe de bandido. Deus é como uma mulher
pobre que sempre acolhe o filho ou filha e o/a protege, incondicionalmente, seja
em que situação for. Jesus se coloca do lado dos perdidos para revelar o modo
de Deus agir. Nessa terceira parábola,
Jesus explica o seu comportamento dizendo que ele que age como Deus age.
Em seu livro:
“A volta do filho pródigo”, o espiritual holandês Henri Nouwen conta que, no
Marrocos, na Índia e na Turquia, alguém fez uma pesquisa, na qual perguntava se,
naquelas culturas, seria admissível alguém fazer um pedido daqueles ao pai: “quero a parte da herança que me cabe”.
Todas as pessoas respondiam que era impossível.
Por que?
perguntava o pesquisador.
E as pessoas
explicavam: Pedir a herança é como pedir
a morte do pai. O filho está praticamente dizendo: Pai, eu não posso esperar que você morra para gozar da parte da herança
que me cabe. Já que você não morre, ao menos morra para mim. Passe logo para
mim agora a herança que me cabe depois de sua morte.
O evangelho
diz que o pai reparte tudo entre os dois filhos. Fica legalmente sem nada, como
se já estivesse morto. Não tem mais nenhum papel social. Continua vivo, mas
como se estivesse morto e pelo próprio filho[1]. A
teologia fala do esvaziamento de Jesus (kenosis) na encarnação e na cruz. Mas,
essa parábola fala de que o próprio Pai resolve se esvaziar – não ter mais
nada. E o que lhe importa mesmo é que os seus filhos e filhas vivam e
transformem o mundo em lugar de amor.
Conforme a parábola,
o filho não é feliz na sua aventura. Acaba obrigado a voltar à casa do pai. Ele
não volta porque se arrependeu o que fez ou porque está com muita saudade ou
porque simplesmente pensa que o pai pode precisar dele. Ele continua egoísta e
auto-centrado. Volta porque está com fome e sabe que na casa do pai terá cama e
comida. Para o pai, pouco importa se o filho voltou por interesse próprio ou
por necessidade. O importante é que voltou. Jesus não diz que se junta aos
pecadores e à gente de má vida, porque eles estão arrependidos, ou porque vão
mudar de vida. Jesus explica que se junta a eles, porque o pai os ama e corre
ao encontro deles e delas, assim que os/as vê se aproximarem dele, mesmo que a
motivação seja meramente interesseira. O que importa aí é o amor do pai.
Ao voltar à
casa, o filho pródigo tem consciência de que não tem mais nenhum direito, porque, ao pedir a parte da herança, tinha
realmente deserdado o pai. “Não mereço
ser chamado de filho. Trata-me como a dos teus empregados”. Isso é o que
ele pedia e esperava. Mas, o pai nem o deixa falar. Restitui a ele a condição
de filho. Gratuitamente.
Para acolher
em casa o filho que havia partido e se tinha perdido, o Pai assume o conflito
com o filho mais velho que é bom, honesto e sempre ficou do lado do pai. Do
mesmo modo, para se solidarizar com as pessoas desviadas e tidas como
pecadoras, Jesus precisou se afastar dos círculos religiosos, romper com os
conventos das pessoas que vivem falando de Deus 24 horas por dia. Jesus diz que
os religiosos se comportam como o filho mais velho. Mantêm com Deus uma relação
institucional e baseada na lei. E pensam agradar a Deus o servindo no culto, na
casa. Ocorre que Deus não quer ser servido em si mesmo e sim na vida e no bem
das pessoas, especialmente das que se desviaram do caminho. Temos de nos
colocar nesse cuidado com os outros/as para participar da festa de Deus.
O projeto
divino é esse: ser atraído pela misericórdia maternal de Deus e voltar por pura
graça a outro tipo de relação – sem mais direitos – sem contabilidade do perde
e ganha – mas como festa pascal de amor. Esse caminho de volta é graça divina.
A conversão consiste em passar de uma
relação com Deus, antes baseada no direito de herança do filho para uma volta
ao convívio com um Deus esvaziado e anulado que se preocupa apenas que o filho
(os filhos e filhas) vivam e dignamente. De fato, muitas vezes, as religiões e
Igrejas ainda insistem demais na culpabilidade e na consciência do pecado das
pessoas. A parábola de Jesus insiste muitíssimo mais na festa e na alegria
divina: “É preciso nos alegrar porque ele
estava morto e reviveu. Estava perdido e foi encontrado”.
[1] -
KENETH BAILEY, Poet and peasant and
through peassant eyes, (1983), citado por HENRI NOUWEN, A Volta do Filho Pródigo, São Paulo,
Paulinas, 13ª ed. 2004, p. 40.