2o Domingo do Advento – Mt 3, 1-12
Marcelo Barros
Neste 2º Domingo do Advento, o evangelho
lido nas comunidades, Mateus 3, 1 – 12 nos traz a figura de João Batista como
quem primeiro anuncia e testemunha a vinda do reino de Deus, ou dos céus, como
diz Mateus.
Para Mateus, quem começou o evangelho foi
João Batista, profeta de Israel. João revela que a mensagem do reino é comum
aos dois testamentos. Não há solução de continuidade. O fio condutor é o
profetismo, a capacidade de ver os sinais do reino e fazer a vontade do Pai
para que o reino e sua justiça sejam sempre a prioridade. Em Mateus, Jesus
representa a verdadeira realização do Judaísmo: a plenitude da lei e dos
profetas.
As palavras de João pedindo conversão e
justiça (e não apenas ritos), são atuais. Ele pede arrependimento, conversão.
Esse apelo: “Arrependei-vos, o reino dos céus está chegando” (Mt 3, 2). O
original grego diz: “Mudem de mente(metanoiete), porque o reino divino acabou
de chegar (em grego: eggiken). Alguns textos traduzem como “está perto ou
próximo”. Só se for geograficamente porque em termos de tempo, conforme esse
evangelho, já chegou. E só Mateus diz isso. Já chegou!
Afirmar que o reino já chegou, mesmo
quando vivemos na realidade social e política, uma situação oposta ao projeto
divino, é uma profecia corajosa. É subversiva em relação a todos os impérios e
aos nossos costumes e convenções costumeiras. Naquele tempo, afirmar que o
reino de Deus já chegou era negar o poder do império. E o evangelho afirma isso
no tempo em que o Império Romano era mais poderoso e atuante.
Hoje, o que significa afirmar que o reino
de Deus já chegou? Como podemos afirmar que esse reino chegou, se o mundo
parece caminhar na direção contrária ao reino? Qualquer pessoa pode ver que,
que tanto na Igreja Católica, como em Igrejas evangélicas e pentecostais,
muitos ministros e grupos cristãos se fecham em uma forma de religião
narcisista e auto-referencial, descomprometida com a profecia do reino como
transformação do mundo.
Ao contrário disso, o reinado divino pede
antes de tudo conversão, isso é, “voltar atrás” e regressar a uma relação de
aliança de fidelidade e compromisso com Deus. Mais tarde, o próprio Jesus vai
dizer: “Não é quem me diz: Senhor,
Senhor, que entra no reino, mas quem, de fato, realiza a vontade do Pai”(7,
21). De qualquer modo, João acolhe a todos e não se considera ele mesmo como
realização das profecias. Ele vê as profecias realizadas na pessoa do Cristo,
que vem após ele.. Esse “virá após mim”(v. 11) significa que o Cristo o seguirá
como discípulo. Jesus se insere na história como discípulo de um profeta
e é acolhido pelo povo como profeta. Também nós, se somos verdadeiramente
cristãos, temos de ser discípulos do profeta Jesus e viver o profetismo
que nos é pedido.
Para revitalizar o profetismo, Joao
Batista se coloca no deserto entre o rio Jordão e a terra prometida. É o lugar
da antiga conquista da terra e do Êxodo. Foi pelo rio Jordão que, segundo a
Bíblia, os hebreus entraram na terra prometida (Js 3, 14- 17). Então, o Jordão
tem uma dimensão simbólica na história de Israel. Era como se, ao ser
mergulhado/a naquele rio, (batizada), as pessoas e comunidades passassem de um
império do mal (de Roma) ao reinado divino. A palavra usada para significar
“banho” (miqweh) tem duplo sentido: banho e esperança. Daí que o batismo de
João podia ter um sentido de anúncio do Reino futuro.
Hoje, podemos atualizar isso dizendo: Só
se vive um cristianismo profético retomando uma espiritualidade sócio-político
libertadora. Só assumindo as causas da libertação, podemos ser profetas como
João Batista e como Jesus e, assim viver o Advento como tempo de retomada da
expectativa do reino.
Assumir as causas da libertação, nós
assumimos junto com todos os movimentos sociais e partidos de esquerda que
lutam pela transformação do país e do mundo. No entanto, talvez alguém de vocês
me perguntem se não há algum diferencial nessa profecia do reino que é a nossa,
ou seja, a profecia propriamente cristã.
Não parece que Jesus tenha se preocupado com
isso. Ele quis, ele mesmo se inserir no
caminho da esperança e do movimento profético. No entanto, sem dúvida, há algo
de próprio e de novo neste anúncio de João Batista sobre o batismo (mergulho)
nessa vida nova. A vida nova que propomos para o mundo tem de começar por nós
mesmos que devemos nela mergulhar (ser batizados).
Profetas como Isaías, Jeremias e Oséias
apresentam a aliança do Senhor como um casamento de Deus com o seu povo. Agora,
João diz que o povo rompeu com este casamento e Jesus é o Casamenteiro que vem
reatar este casamento de Deus com o povo. No evangelho, João afirma que não
precisará desatar as sandálias de Jesus porque Jesus representa Deus, o Esposo
da humanidade. Por isso, João Batista fala do gesto de desatar as sandálias
dizendo que não é digno de desatar as sandálias do Messias. É uma imagem que
remete à cultura patriarcal da sociedade israelita antiga, mas comparar a
aliança com Deus com a intimidade do casamento pode ser atual. Temos de
redescobrir como viver uma fé profética, que se expressa no compromisso social
e político transformador e, ao mesmo tempo, se renova na relação carinhosa e
afetuosa da relação de intimidade com Deus.