Queridos irmãos e irmãs,
Que responsabilidade abrir com esta fala esta roda de conversa tão importante. Estive conversando com Ricardo Aléssio e com outros de vocês para sentir o que seria bom a gente refletir neste momento. Com este encontro, penso que estamos retomando o espírito das primeiras Igrejas cristãs animadas por Paulo. Ele juntou irmãos e irmãs ligados a movimentos de base das periferias das cidades gregas, a maioria vindos do Judaísmo da diáspora e alguns de culturas e nacionalidades gregas mas candidatos a entrarem nas sinagogas. Eram o que o Novo Testamento chamava de “tementes a Deus”. Mas, na época de Paulo, o Judaísmo das sinagogas das cidades gregas da Ásia Menor e da Grécia mesmo era muito dividido. Hoje os historiadores encontram sinais de que eles começavam a ser mal vistos pelo império romano, começavam a ser perseguidos. No ano 44, um decreto do imperador Cláudio expulsava todos os judeus da cidade de Roma. E Nero vai matar cristãos. Pois ainda neste horizonte tão pesado, o pessoal das sinagogas se engalfinhavam entre si e se dividiam em tendências diferentes. E o trabalho de Paulo foi chama-los de Ekklesia, termo que corresponde hoje a uma frente popular, assembleia de cidadãos e cidadãs do reino de Deus, só que pensada a partir de baixo e no horizonte de um mundo novo.
Paulo estabeleceu a base de uma aliança: partir do cuidado com os mais pobres e vulneráveis, acabar com todas as discriminações de classe, de raça e de gênero entre nós e ter em vista o projeto de Deus para o mundo e para a nossa cidade. Acho que é isso que estamos vivendo hoje de uma forma nova e penso que cada um, cada uma de vocês aqui representa hoje este apóstolo Paulo tentando construir unidade a partir da proposta revolucionária de pensar o mundo a partir da causa e dos interesses dos pequenos. E isso Paulo aprendeu de Jesus.
O evangelho nos convoca e nos compromete a avançar sempre !
E se Jesus tivesse feito alianças com os poderosos ?? Claro que não estaríamos falando dele hoje e não estaríamos vivendo a esperança radical de um novo mundo e lutando por uma terra sem males. Nós teimamos em acreditar que lideranças comprometidas com um projeto mais justo e de espaços decentes de convivência como nossas cidades por exemplo , possam dar certo. As vezes erramos , as vezes acertamos , mas investimos sempre nos pactos com dirigentes , lideranças políticas que possam articular mudanças significativas para o povo em seu espaço dezumanizado nas grandes cidades. Assim é o nosso Recife de muitas histórias.
Marília, se você veio para lutar por um projeto mais humano para o Recife, se você tem clareza das dificuldades, se você vai ouvir o povo , lá onde o povo está , conselhos populares , se você vai se rodear de secretários comprometidos e não de burocratas e técnicos sem compromisso, nós a apoiamos, estamos com você e vamos ter você como nossa ministra do cuidado com a cidade a partir dos mais pobres.
E qual é a função de nós, cristãos e cristãs, inseridos nos movimentos sociais e nas lutas políticas de transformação da sociedade? No século III, um documento cristão chamado Carta a Diogneto, dizia: “O que a alma é para o corpo, o cristão (a cristã) tem de ser para o mundo”. Então, temos de ser isso nos embates políticos: a alma no sentido do espírito que ajude a manter e a renovar sempre a ética nas relações entre nós, a espiritualidade do diálogo e principalmente como dizia Gandhi, começar por nós a mudança que queremos para o mundo.
Hoje eu trago aqui a memória de dois profetas que amamos: o nosso querido Dom Helder Camara e o nosso companheiro Pedro Casaldáliga. Hoje, lá do céu, Dom Helder está nos dizendo: “confio que vocês me representem nesta luta agora da campanha como minorias abraâmicas. Isso significa que a gente ensaia no nosso modo de ser e de agir o mundo novo que a gente quer. Como Abraão, mesmo em meio à velhice e à esterilidade deste atual processo político de democracia formal com tantos defeitos, a gente ensaia o novo, assumindo entre nós e com Deus o compromisso de renunciar ao individualismo dos interesses egoístas e assumindo como vocação nossa juntar. Reunir. Sermos capazes de nos autocriticar e de nos criticarmos fraternalmente sem romper nem nos dividir.
A palavra do evangelho para nós neste momento é a palavra que Jesus deu aos discípulos quando os mandou em missão: “Quem não ajunta comigo, espalha” (Mt 12, 30).
Mais do que nunca, é o momento de nós cristãos e dos movimentos sociais tomarmos consciência de representar as " forças centrípedas" da Política a serviço de toda a população. Até agora parece que ainda vivemos mais a dinâmica de forças centrífugas. Eis aí um compromisso político fundamental e muito evangélico. O mundo está estilhaçado... Neste momento, a assembleia geral das Nações Unidas que começou anteontem em Nova York está tentando encontrar caminhos novos para a humanidade depois da pandemia. Será que não poderíamos ensaiar isso em nossas cidades do grande Recife?
Convoco os nossos movimentos de Igreja a preocupar-se menos com nossos momentos de culto e de liturgia, com a organização interna de nossas estruturas e sim a nos dedicar a partir de hoje a um grande mutirão para reconstruir a esperança dos mais pobres. Para isso, é importante ensaiar formas criativas de economia solidária, agora chamada de Economia de Francisco e Clara e pensar a política representativa com instrumentos novos de participação das comunidades que possibilite novas formas de convivência social e organização da cidade a partir dos mais pobres e vulneráveis. Finalizo lembrando a afirmação de um pequeno grupo de índios pobres do sul do México que, a partir de janeiro de 1994, ousou desafiar os governos do México e dos Estados Unidos. Eles diziam: "Nós somos um exército de sonhadores. Por isso somos mais que invencíveis" .