Marcerlo Barros
O papa Francisco tem promovido encontros com jovens
economistas de todo o mundo para que, juntos, possam clarear modelos de
economia que rompam com o falso dogma da inevitabilidade do atual sistema
econômico e mostrem ser possível organizar uma economia justa, baseada na
partilha, no respeito aos direitos da natureza e aos bens comuns da humanidade.
No Brasil, esse modelo alternativo de economia está sendo chamado “de Francisco
e Clara”, em referência ao modo como São Francisco e Santa Clara de Assis
intuíram e viveram a economia de sobriedade na comunhão com os mais pobres e de
partilha comunitária.
Neste XXV domingo comum, o evangelho lido, Lucas 16,
1- 13 é um dos textos mais controvertidos do evangelho. Todos nós já escutamos
padres e pastores tentando explicar que Jesus disse, mas não quis dizer. De
fato, ouvir o evangelho dizer que o Senhor elogiou o administrador desonesto
poderia justificar a corrupção social e política que parece estrutural e
crônica em nossos países. Mesmo se os
comentários insistem que Jesus elogiou não a desonestidade do
administrador e sim a sabedoria ou
capacidade que ele demonstrou ao saber sair bem da situação de risco em que se
meteu, o fato é que a história contada por Jesus não parece parábola do reino
de Deus, aliás, nessa história, Jesus não fala do reinado divino. Não compara o
agir do gerente com o reinado divino.
O primeiro cuidado que devemos ter é não comparar Deus
com o tal rico, proprietário de terras e senhor de escravos que, conforme o
capítulo 16 de Lucas (basta ver a parábola seguinte que fala do rico e de
Lázaro), o tal rico é o contrário de Deus: não ama e nem pensa em ninguém a não
ser ele mesmo.
É claro que entre as histórias que Jesus contou, essa
não é a única chocante ou difícil de explicar. Aliás, Lucas a inseriu no
contexto dos capítulos nos quais Jesus se dedica a formar os discípulos no seu
caminho para a Páscoa em Jerusalém. Dedica vários capítulos a tratar como a
comunidade dos discípulos e discípulas devem tratar a questão dos bens
econômicos. No verso seguinte ao texto que escutamos hoje, o evangelho diz que
os fariseus eram amigos do dinheiro e entre si comentavam com ironia o modo
como Jesus insistia na economia comunitária e solidária.
Assim, o evangelho coloca essa história logo depois de
ter contado a do rapaz que não quis esperar que o pai morresse para ter a
herança que lhe cabia. A história parece um fato da vida que Jesus tomou como
parábola. É estranho que o patrão avise ao gerente que vai lhe despedir antes
de conferir as contas. Também pode soar estranho que o gerente que tinha
consigo todas as notas precise perguntar a cada um quanto devia ao patrão. Seja
como for, o importante é que o gerente soube privilegiar as relações de
amizade, acima dos negócios e foi isso que lhe salvou quando foi despedido. Usou
as próprias regras do sistema econômico vigente para se sair bem da embrulhada
em que se tinha envolvido.
A sabedoria do povo diz: “Quem rouba ladrão tem cem
anos de perdão”. Jesus parece ligar pouco para a ética de classe da sociedade
vigente. Ao contrário, elogia que o gerente se serve delas para criar uma rede
subversiva de solidariedade entre os devedores do patrão. É isso que Jesus toma
como conclusão: Usem as riquezas injustas para a amizade. Portanto, privilegiem
as pessoas e as relações humanas e não o lucro.
Há trinta ou quarenta anos, um grupo sequestrou o neto
do famoso milionário norte-americano Paul Getty para que o velho lhe pagasse o
resgate. Como o milionário se negou a pagar, os sequestradores lhe mandaram um
sinal de que eles falavam sério. Cortaram uma orelha do rapaz e mandaram em um
envelope ao empresário. Acharam que, assim, pudessem convencê-los a pagar o
resgate. Só que o velho respondeu:
- Quando chegamos a certa altura de posse econômica,
temos de escolher entre o dinheiro e a família, ou as relações humanas. Eu já
fiz minha escolha: escolhi o dinheiro!
Nesse evangelho, Jesus faz o contrário: desmistifica o
dinheiro. Transforma a sua natureza porque o coloca a serviço dos pobres, dos
que são sempre devedores dos senhores do mundo. Chega a dizer que a verdadeira
lealdade ou fidelidade ao dinheiro (quem é fiel no pouco...) não é a fidelidade
à bolsa e aos critérios de lucro e sim a fidelidade à vida e à partilha.
No mundo, o sistema capitalista faz, diariamente, a
mesma escolha do milionário Paul Getty que deixou o neto para ser morto pelos
sequestradores para não ter de pagar nenhum resgate. O papa Francisco tem
advertido continuamente: esse sistema mata! As corporações e os que representam
o mercado assistem a morte lenta de milhões de pessoas, para salvaguardar os
lucros da ínfima minoria que eles representam e aos quais servem. Este
evangelho nos adverte sobre isso e propõe que a comunidade das pessoas que
aderem a Jesus faça a escolha contrária e privilegie as relações de amizade e a
vida.
Neste evangelho, Jesus adverte de que o dinheiro é
riqueza sempre injusta (o termo grego adikia significa iniquidade) e mostra que
não basta as pessoas se converterem interiormente. É preciso uma mudança
estrutural: colocar-se a serviço da classe que no mundo é sempre de devedores.
Que nesta eleição, tanto para presidente, como para
governadores e para o poder legislativo, o nosso voto seja como uma apólice a
favor dos trabalhadores e trabalhadoras endividados/as do nosso país. Que o
nosso voto seja solidário aos movimentos populares e as pastorais sociais. Seja
como a atitude do tal gerente, aos olhos do Capitalismo pouco honesto, mas aos
olhos de Jesus, solidário e que privilegiou o companheirismo e a vida
partilhada.