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Partiu mais um anjo da profecia

                                                                        Partiu mais um anjo da profecia

               “E o anjo a deixou” (Lucas 1, 38). Assim se conclui o evangelho da festa de Nossa Senhora do Rosário que a Igreja Católica celebra neste dia. Na noite passada, recebemos a notícia de que em Paris, foi para Deus o jornalista José de Broucker, amigo e biógrafo maior do nosso profeta Dom Helder Camara. 

No tempo do Concílio Vaticano II, José de Broucker foi a Roma como diretor da revista Informations Catholiques. Entrevistou bispos de todos os continentes. Ao entrevistar Dom Helder, ficou impressionado com a figura do nosso pastor e percebeu a importância singular e fundamental que Dom Helder discretamente exercia para o andamento do Concílio. Ali começou o diálogo que entre eles suscitou uma aproximação que durou toda a vida. No entanto, o próprio José de Broucker afirma que a amizade mesmo floresceu mais tarde e a partir do Recife. Quando em 2009, celebrávamos o centenário do nascimento de Dom Helder, o IHU (Instituto Humanitas) em São Leopoldo, RS, o entrevistou como presidente da Associação Dom Helder Camara, Memória e Atualidade em Paris. Uma das perguntas foi a seguinte: 

IHU On-Line – O senhor conheceu Dom Hélder na cobertura do Concílio Vaticano II. O que motivou a amizade entre vocês? Pode nos contar um pouco sobre os elos que os uniram durante três décadas?

José de Broucker - Meu primeiro encontro prolongado com Dom Hélder data de 1968, quando fui a Recife para realizar uma pesquisa-retrato do “arcebispo das favelas” a pedido de um editor parisiense (La violence d’un pacifique) [A violência de um pacífico]. Este encontro me fascinou, mas não esgotou a minha curiosidade de jornalista e de cristão: quarenta anos mais tarde, eu a persigo de todas as formas e maneiras. Também colaborei com a edição francesa de vários de seus livros, desde os anos 70. De sua parte, Dom Hélder me concedeu a sua confiança e me pediu para ser, de alguma forma, uma “antena” na França, notadamente para preparar e acompanhar suas viagens: eu era, de certa forma, com minha mulher e meus filhos, uma modesta “peça trazida” da “Família Mecejanense”. (ver: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/2465-jose-de-broucker)

De fato, principalmente na época em que o governo brasileiro impôs a Dom Helder uma pesada censura e o próprio Vaticano o considerava incômodo, José de Broucker foi mais do que um aliado e amigo. Como ele define nessa entrevista: era uma antena de Dom Helder na Europa. Servia realmente como portavoz do Dom. Tinha tino e sabedoria para ecoar para todo o mundo notícias de Dom Helder que ninguém teria como obter nem divulgar e, por sua grande cultura e conhecimento do mundo católico, ajudava Dom Helder, inclusive na sua relação com as dioceses da França e de toda a Europa. 

Algumas vezes, acontece que jornalistas e pessoas do mundo laical, quanto mais se aproximam da hierarquia eclesiástica mais, interiormente, se afastam do universo da fé. Com José de Broucker, a aproximação com Dom Helder, ao contrário, o reaproximou da espiritualidade cristã. Dom Helder tornou-se padrinho de um dos seus filhos e era alguém sempre muito próximo de toda a família. 

Quando Dom Helder faleceu, José de Broucker se sentiu com a missão de colaborar para que a sua herança profética não fosse esquecida. Em países como a França, a Bélgica e a Itália, ele organizou grupos que se encarregam de manter a memória e testemunhar a atualidade da profecia do Dom. Na França, ele mesmo era presidente da Associação Dom Helder Camara. Ele que já tinha publicado vários livros sobre o Dom, publicou “As noites de um profeta” com tradução francesa e italiana, livro no qual ele publica uma coletânea bem escolhida das circulares de Dom Helder, então publicadas.  

Diante de tudo isso e frente à notícia de sua partida, só podemos sentir como se mais uma parte da nossa história se deslocasse para o céu. Com nossos sentimentos de saudade pela pessoa boa, humana e simples que era José de Broucker, lhe agradecemos a acolhida que sempre deu a qualquer um de nós ligados a Dom Helder que passasse por Paris ou mesmo por outra cidade onde ele pudesse ir nos encontrar. 

No mundo antigo, chamava-se evangelista quem tinha como função dar as notícias que seriam boas e verdadeiras. Atualmente, no mundo laical, o evangelho do reino de Deus não precisa ser carimbado com idioma religioso. Pode ser secular. Muitas vezes, o verdadeiro evangelho da paz e da justiça é dado por jornalistas que vivem essa missão como vocação profunda da sua vida e não somente como emprego e profissão. 

Durante toda a sua vida, José de Broucker fez juz a essa missão de anjo (mensageiro) e evangelista, anunciador da profecia do reino que Dom Helder encarnou como profeta. Obrigado, José. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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